O apartamento visto de fora
Em conversa com um amigo empresário, que sofre as consequências do tudo parado durante a pandemia, disse a ele que deveria tirar uns dias para clarear as ideias. “Pô! Logo agora que o bicho tá pegando me vens com essa de tirar férias?”, falou.
Sim, eu respondi, tens que dar um tempo para ver como teu negócio funciona olhando de fora. Não ficou lá muito convencido, e até porque ele é meio sozinho no negócio. Mas sustento a sugestão.
Sempre esgrimo um exemplo clássico, banal até, mas que deve ser considerado. Você morou toda a vida dentro do mesmo apartamento, então como sabe como o prédio é por fora? Por isso que, desde os gregos, o Homem se pergunta como ele é realmente sem a contaminação de pensamento.
Todos nós temos quatro por dentro, um é o mais terrível, que não dominamos, o inconsciente. Os outros três são o que você pensa que é, o que os outros pensam que você seja e como é na real. O resumo é que todo e qualquer julgamento seu nasce contaminado.
Como os outros também não sabem exatamente como você é, também invalida o diagnóstico. Resta o inconsciente. Mas esse ninguém conhece, nem mesmo os psiquiatras.
Costumo brincar com eles perguntando se sabem qual a diferença entre um neurótico, um psicopata, um psicótico e um psiquiatra. Explico que o neurótico imagina castelos no ar, o psicopata vê os castelos no ar, o psicótico habita esses castelos – e o psiquiatra cobra aluguel.
Se assim somos, como querer que o mundo possa ser “normal”?
Dois anos em 24 horas
Se fosse possível comprimir o tempo e reduzir os dois anos de pandemia mais um como extensão para um dia, morreríamos de susto com a velocidade de mudanças – e mudanças para pior. Países que no “dia” anterior ganhavam um belo dinheiro vendendo suas commodities metálicas e agrícolas, de repente, viram mercados travados e compradores arredios porque a economia deu marcha-ré.
E, com ela, houve transformações radicais nos usos e costumes porque a cabeça do “dia” anterior era uma e, 24 horas depois, era outra.
Não bastasse toda essa ronha, a guerra da Ucrânia mostrou que o faroeste nunca deixou de existir, e que o bandido continuava assustando a cidade e seus pacatos cidadãos. Pior, o xerife é fraco e nem mesmo sabe lidar com o bandido.
Não há John Wayne que resolva essa parada. Por extensão, a política tal como a conhecemos ficou irreconhecível, mormente a brasileira, que já não era lá essas coisas.
O retorno dos bárbaros
Já fiquei rouco de tanto repetir sobre a barbárie que nos assola, um país dividido em dois. Políticos que, no dia seguinte ao da posse, já pensam em como se reeleger e partidos que querem um naco do poder para perpetuar a espécie, dando casa comida e roupa lavada para os amigos do peito.
O povo, esse ser tão invocado durante as campanhas, agora ficou como aquele computador que perdeu a memória e restou-lhe apenas vaga lembrança.
Na verdade, nunca deixamos de ser bárbaros.
O crime perfeito
No início dos anos 1960, um político mineiro falou “façamos a revolução antes que o povo a faça”. Engano, tal como Tomasi di Lampedusa, no livro O Leopardo, as coisas têm que mudar para continuar a mesma coisa. Por isso somos um país de mesmices.
Só quem se aperfeiçoa é o Crime S.A, que atingiu o estágio dos sonhos: de mandar o crime de dentro dos presídios. Nunca houve logística mais eficiente que essa. Os verdadeiros apenados somos nós.