Meu bonde, meu mundo

3 ago • A Vida como ela foiNenhum comentário em Meu bonde, meu mundo

Quando fui pela primeira vez ao Centro de Porto Alegre, fiquei boquiaberto com o grande movimento de pessoas, de veículos e bondes. No antigo abrigo dos bondes, construção ensanduichada entre o Chalé da Praça XV e a casa anexo ao chalé, na posição centro-esquerda, que pouca gente se lembra e se lembra não sabe dizer se era habitada ou não – nem eu lembro – a impressão é de uma tranquila cidade do interior, certo?

Pois para mim, na metade dos anos 1950, era uma Tóquio de hoje. Nossas lembranças nos confundem, ou, como escreveu a pensadora Gertrude Stein, por dentro temos sempre a mesma idade.

É verdade. Ver fotos do abrigo dos bondes me traz o cheiro do caldo de cana-de-açúcar (garapa), do bolo inglês, no bolo mata-fome. E até do cheiro de gasolina dos carros com motores perpetuamente mal regulados, posto que tinham carburadores.

Mas as multidões me assustavam. Óbvio, a foto foi obtida fora do horário do rush, então tem que dar um desconto.

O que lembro muito bem era pegar o bonde com quatro portas, na realidade, portas sem portas, procurando um cantinho só meu. Sentar, nem pensar. Espremido entre axilas fedorentas e pernas agressivas querendo me atirar para fora, era assim que lembro do rush.

E duas ou três paradas antes, tinha que se esgueirar para perto da saída atravessando um muro humano. Já viram vídeos de rinocerontes buscando seu espaço passando por cima de todos? Pois era assim. Só que eu era um projeto de rino.

Feliz eu me sentia quando pegava “o elétrico” em horário sem movimento, meio da manhã ou meio da tarde. Aí o mundo – o bonde –  era só meu. Arejado, janelas abertas, banco de madeira dura a escolher.

Isso sim era vida. Especialmente depois de uma batida (vitamina) de abacate com leite e um belo cachorro-quente ou bolo inglês.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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