Como se esgueirar do infortúnio
Um velho ditado popular, que teve várias versões desde os tempos bíblicos, diz o que não nos mata, fortalece-nos. É um resumo da história da Humanidade.
Também é verdade que populações atingidas por tragédias periódicas fazem limonada do limão. O que vou dizer agora pode parecer insensibilidade, mas é a real.
Moradores mais antigos, que erguem casas nas margens de rios não têm muita vontade de sair delas. Mesmo após enchentes.
São pragmáticos, sabem que receberão remédios, médicos especializados e cirurgias, alimentos, roupas e serão abrigados em pavilhões cheios de calor humano e até dinheiro vindo de doadores particulares ou dos governos. Algo que nunca poderiam ter sem as enchentes.
Já os mais novos não tiveram aulas da escola do rio, acham que nunca vai acontecer com eles. Assim como os defensores da derrubada do Muro da Mauá diziam que nunca mais se veria enchente como a de 1941.
Mais ou menos como os construtores do Titanic diziam que ele jamais afundaria. O homem é o único animal que cai no mesmo buraco duas vezes.
Navegar é preciso
Vi um documentário sobre a cidade de Chaitén, no Chile, que foi arrasada por um terremoto e um mar de lava em 2008. Os moradores contam como foi terrível aquele maio. E os que ficaram ou voltaram ficaram três anos sem luz nem água, movidas por pura energia humana reconstruindo a cidade. Que povo admirável!
Em uma cena, o narrador vai a um pequeno restaurante chamado Cocína de Irina, uma velha senhora sobrevivente de tudo. Sua especialidade era empanadas com diversos recheios.
O narrador elogiou o quitute e perguntou qual era o segredo.
– Lo segredo soy jo – respondeu ela candidamente.
Talvez seja esse o segredo de todos os que nunca se entregam face às vicicitudes da vida: elas próprias. Explica porque pessoas que vivem em países com terremotos, tsunamis e outras catástrofes naturais, e até guerras frequentes, vivendo em solo desértico ou em que a natureza lhes é hostil permanentemente, vivem entre buracos de tristezas alternados com pequenas alegrias. Entre um solavanco e outro na estrada da vida.
Recorro ao poeta português Fernando Pessoa: Viver não é preciso, navegar é preciso. Se toda a Terra for destruída, mas sobrar um só casal, tudo recomeça.