Cada um com seu cada qual

10 jan • NotasNenhum comentário em Cada um com seu cada qual

Nos anos 1960, um grupo de uruguaianenses que moravam em um apartamento no Centro de Porto Alegre fez uma pegadinha com o mais ingênuo da turma. Aquele tipo que acreditava em tudo e até mesmo em chifre em cabeça de cavalo, se o interlocutor fosse convincente.

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Pois os pândegos gravaram um noticioso de rádio da Rádio Guaíba e, no final, emendaram outra gravação. Escolheram uma noite em que nosso ingênuo estivesse em sala contígua e mandaram ver.     

– Atenção, atenção! Os cientistas confirmaram que a Lua se chocará com a Terra em menos de um mês! Repetindo…

O rapaz ouviu a gravação com os olhos arregalados. Depois, afundou o rosto na revista do Pato Donald que estava lendo e falou em voz alta.     

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– Vou-me embora pra Uruguaiana…

Por sorte, em seguida os muy amigos desfizeram o equívoco. Soube depois que ele repetia a frase a cada sacanagem que a cruel cidade grande lhe aprontava. Não foi feito para enfrentar esse mundo hostil.

E devo dizer que, às vezes, eu me sinto como o Chabrit (nome fictício) e também me dá vontade de voltar aos tempos em que eu era criança em São Vendelino.

Quando se quer ser Rei

O poeta Manuel Bandeira escreveu o poema intitulado “Vou me embora para Pasárgada/Lá sou Rei/ Terei a mulher que quero/Na cama que escolherei.

Ficou famoso e merecidamente porque essa junção de palavras simples se transformou em uma poderosa máquina de imaginação. Cada um queria ter a sua, por um motivo ou outro.

Essa é a beleza maior do poema, dizer tudo com um mínimo de letras enfileiradas. Cada vez que lembrava do Chabrit lembrava de Bandeira e vice-versa. E, logo, da minha Pasárgada, que eu tive e onde fui feliz.

Quando neste bendito país surgem momentos como o que estamos vivendo, me dá vontade de mudar para Pasárgada ou a Uruguaiana-São Vendelino. Vejam, eu já tive minha cota de ferimentos em combate com o mundo hostil. A cidade grande, que tinha suas luzes, mas também gente que não falava comigo e até me olhava como se eu fosse um aborrecimento de duas pernas.

Comparar a cordialidade dos lugares pequenos com a frieza dos vizinhos, às vezes, morando a metros, fez-me muitos estragos. Até que me aculturei e encarei a cuspida da cobra.

A radiação de fundo

Faz parte do processo de se tornar forte e combater o bom combate. Mas sempre fica uma radiação de fundo como se fosse do Big Bang pessoal. Mesmo quando a então ingênua, se comparada com hoje, Porto Alegre passou a fazer parte da minha vida. Mas sempre me deixou com um pé atrás.

Lembro que, nos anos 1970, li uma pesquisa sobre como as crianças paulistanas viam determinados alimentos. Uma boa parte delas achava que galinha era “uma coisa branca que mamãe compra no supermercado”.

Acredito que hoje tenha aumentado a quantidade de crianças sem a mínima ideia de que o que ela come seja de um animal vivo com duas pernas, penas e cabeça que faz cocoricó. Certo, a profusão de desenhos animados e ilustrações já devem ter colaborado para que elas imaginem a galinha. Mas, ao vivo e a cores, pouquíssimas viram. E não é só em São Paulo.

Quem sabe, um dia…

Nunca vi a Pasárgada do poeta. Sequer tentei imaginá-la porque é uma fantasia só dele, e eu já tenho a minha. Mas acredito que seja um lugar de paz e tranquilidade, sem os sobressaltos cruéis de hoje.

A cama, a mulher fica a critério de cada um. Se bem que gostaria de conhecê-la. Talvez seja como a minha.

O Livrinho

O presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) pegou um pião na unha ao suceder Getúlio Vargas. E sempre andava com a Constituição debaixo do braço onde quer que fosse.

Ele a chamava de “Livrinho”. E, na dúvida, sempre a consultava. Muita gente poderosa de hoje jogou o Livrinho fora.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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