A tragédia dos comuns

11 dez • ArtigosNenhum comentário em A tragédia dos comuns

* Matheus Albergaria 

Era uma vez, na Idade Média, um conjunto de terras comuns. Na verdade, um Rei havia declarado na época que todos os habitantes do reino teriam, em princípio, direito de utilizar aquelas terras para criar carneiros e ovelhas. Inicialmente, esta proposta pareceu funcionar muito bem: todos utilizavam as terras comuns e, em troca, seus animais podiam pastar no local. A instrução real, além de democrática, parecia agradar a todos.

Entretanto, com o passar dos anos, as coisas mudaram. Os habitantes do reino, querendo extrair o maior retorno possível das terras comuns, acabaram esquecendo de deixá-las descansar por breves períodos, condição fundamental para seu uso ao longo do tempo. Um raciocínio comum na época era o seguinte: “como este recurso não tem ‘dono’, não vou me preocupar em conservá-lo”. Em princípio, este raciocínio não parecia errado. Afinal, como as terras eram propriedade coletiva, em um reino com muitas pessoas, outras sempre poderiam se preocupar com seu descanso.

O problema era que, se muitos habitantes pensassem assim, as terras nunca passariam por um período de descanso, acabando por se tornar, de fato, estéreis. Infelizmente, no final da estória, foi exatamente isto que aconteceu: uma vez que os habitantes do reino não deixaram a terra descansar, esta acabou se tornando estéril. Como a terra não tinha um “dono” oficial, nenhum habitante demonstrava zelo suficiente por este recurso escasso. Esta estória ficou especialmente famosa entre economistas e cientistas políticos, embora tenha sido contada pela primeira vez por um biólogo, ficando conhecida pelo nome de “Tragédia dos Comuns”.

As terras comuns desta parábola representam uma categoria especial de bens, denominada “recursos comuns”. Outros exemplos são espécies animais e meio ambiente. Bens desta natureza apresentam duas características que os distinguem dos demais: são não-excludentes e rivais. Ou seja, não é possível excluir nenhuma pessoa de seu uso (propriedade de não-exclusividade), embora a utilização do bem por alguém faça com que os demais consumidores tenham uma menor quantidade do bem disponível (rivalidade). De acordo com a “tragédia”, diferenças entre interesses individuais e interesses sociais poderiam vir a levar a uma situação na qual a sociedade como um todo acabe perdendo, no final. Por exemplo, uma situação na qual todas as pessoas de uma sociedade tenham acesso a um recurso comum – como as terras comuns – traz a possibilidade de surgimento de padrões de consumo excessivo desse recurso, o que poderia fazer com que a sociedade terminasse em uma situação pior, em termos de bem-estar social (as terras poderiam se tornar estéreis, no final).

Apesar de estarmos falando de recursos naturais, a Tragédia dos Comuns também pode ocorrer no caso de outros recursos. Um exemplo relacionado à pandemia do coronavírus seriam os leitos de hospitais públicos que, de maneira semelhante às pastagens comuns, podem ser inicialmente vistos como bens não-excludentes, embora rivais. Ou seja, dependendo do comportamento das pessoas durante a pandemia, poderíamos observar uma situação na qual ocorresse um excesso de demanda pelos leitos, uma situação na qual haveria mais pessoas precisando de leitos do que a quantidade disponível dos mesmos.

A situação descrita neste artigo sugere a importância de considerarmos diferenças entre os interesses individuais e o bem-estar coletivo. Em outras palavras, nem sempre o que é melhor para um indivíduo ou grupo de indivíduos será necessariamente melhor para sociedade como um todo. Uma potencial forma de aliviarmos os impactos negativos da pandemia é a partir da colaboração de todos na sociedade: se uma pessoa colabora — seguindo o regime de quarentena, usando máscaras em locais públicos e mantendo o distanciamento social — todos ganham com isso. Caso contrário, se cada pessoa se preocupar exclusivamente com seu próprio bem-estar, há a possibilidade de ocorrência de uma situação nos moldes da “Tragédia dos Comuns”.

Em última instância, é importante considerarmos a interação entre interesses individuais e o bem-estar coletivo em uma sociedade cada vez mais complexa, interdependente e diversa. Do ponto de vista de um economista, as possíveis saídas para a pandemia não são fáceis, embora sejam possíveis, desde que cada pessoa passe a levar em consideração os possíveis impactos de suas ações sobre a sociedade como um todo. Assim, da próxima vez em que você se deparar com uma situação semelhante àquela descrita aqui, pare por um instante. Ao invés de pensar na possível ausência do dono do recurso comum em questão, pense no que você, como pessoa, poderia fazer para melhorar o resultado em termos sociais. Agindo assim, você estará, em última instância, evitando uma tragédia.

* Professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) – (matheus.fecap@gmail.com)

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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