A serviço da paixão
Quando se era quase mais pobre que um rato de igreja e sendo bancário de balcão, a vida de Porto Alegre do início dos anos 1960 exigia alguma ginástica para agradar as papilas gustativas. Nem sempre elas aplaudiam.
Mas era o que a casa oferecia, e os magros proventos que eu recebia tinham que caber no prato. Meus pais moravam no interior, mas depois dos 18 anos não se pedia verba extra a eles.
A primeira opção era um humilde pão com um minipotinho de manteiga, acrescido de outro com patê, mais uma meia taça de café vendido no Café – não se dizia cafeteria, era Café – na rua Uruguai, onde hoje é o Periquito da Sorte. Já a enorme empada de galinha do Big Ben, esquina da Marechal Floriano com Otávio Rocha era dos deuses. Quentinha, crocante, se desse para comprar duas seria refeição.
O sanduíche Farroupilha era outro que nunca enjoei. Até hoje o acho supimpa.
Nas bancas do abrigo dos bondes, comia-se o Mata Fome, um tijolo marrom feito de doces e bolos sobrados. Com uma batida de abacate, dava para dormir sem fome, o pior tormento que existe.
O pagamento do Banco (da Província) saía dia 28, e neste dia dava para comer o bauru de três camadas de pão crocante com pernil e queijo derretido no Centro Esportivo, na Benjamin Constant perto da Cristóvão Colombo. Eu o classifico como um dos 5 mais saborosos do mundo. Pena que a casa sumiu na voragem do tempo.
À medida que o pila subia, as opções também. Era dia de comer PF no Matheus ou na Praiana, ambos na Andradas. Cachorro quente era o do Rosário. Cacetinho, salsicha e molgi caseiro e deu, sem aquele nix de barbaridades acessórias.
Na noite do dia 28, eu saía a serviço da paixão visitando nos cabarés “as primas”, como eram chamadas. Mas essa já é outra história.