Os dentes e as finanças
O Gabriel era um cara muito emotivo. Chorava por qualquer coisa. Homem bem posto na vida, de família aristocrática e de respeito, era um dos clientes definitivos da Pelotense, na rua Riachuelo. Como esse duro trabalho de empinar uísque após uísque deixa esses abnegados cidadãos sem tempo para mais nada, o Gabriel descuidou dos dentes, especialmente os frontais. Um dia, o dentista deu-lhe a má notícia: vais ter botar prótese total. Vaidoso como era, foi um choque. Parou de frequentar a roda e ficava sozinho nos lugares mais escuros dos bares do Centro.
Um dia, eu e o Lelinho fomos conversar com ele, para dizer que era besteira entrar em depressão por causa da mobília, até porque ele seria substituída e o deixaria um galã de cinema. Bem, quase. Encontramos o amigo numa uisqueria ali perto, enfurnado num canto escuro, com um boné enterrado até o nariz para que ninguém o reconhecesse. O Lelinho tomou a palavra:
– Gabriel, para com essa brincadeira de esconde-esconde. Estamos sentindo tua falta, puxa vida! E se é por causa dos dentes, não és o único. Olha os meus, quase todos estão avariados. Em poucas semanas voltas ao normal.
O Gabriel levantou a cabeça e olhou fixamente para nós dois por um bom tempo.
– Lelinho, Lelinho. Não me consola com os TEUS dentes.
Isso ficou tão marcado em mim que até hoje lembro da história e do argumento. Então quando alguém se queixa de um problema financeiro, por exemplo, não me venham de borzeguins ao leito dizendo “é, mas olha os caras que ganham só o salário mínimo”.
Não me consolem com dentes alheios.