De olho no pudim
Não se discute política e religião, era o sábio conselho que as mães e avós davam no início do almoço festivo dos Kerbs, em localidades situadas no vale do Caí. No meu caso, o conselho vinha recheado com severidade, especialmente porque como todo guri metido a besta, vinha cheio de caraminholas na cabeça após ler jornais e conversar com cabeças feitas da cidade grande.
Éramos todos guris de bosta naqueles verdes anos. Tá bom, tiro bosta e substituo por cretinos, não precisa gritar. Ficar com a boca fechada depois de ouvir os mais velhos emitirem palavras molhadas com chope e um schnapps de reforço era missão impossível, ainda mais para quem tinha cabeça fervilhante com ideias.
Todas as vezes que me meti de pato a ganso atrai olhares irados e expressões que murmuravam “mal saiu dos cueiros e já pensa que é gente”. Quanto aos tios, primos mais velhos e visitantes que saíram da colônia para a cidade grande, o conselho das mulheres e mães entrava por um ouvido e saía pelo outros. Não raro, criavam-se inimizades de uma hora para outras porque não só ninguém abria mão das convicções, como ainda queria mudar a dos interlocutores. Aí acontecia o que as mulheres temiam, o império da cizânia.
Ficar quieto era duro, mas tinha lá suas vantagens. Ninguém observava quando removia discretamente um pedaço de carne mais dura para o prato do vizinho e me servia várias vezes do pudim de leite severamente racionado. Acho que desde então comecei a ver que, no Brasil, diálogo significa monólogo.