O Macaco, o Jabuti e a Centopeia
Estava o Jabuti caminhando sossegado pela floresta quando sentiu algo bater na sua tênue carapaça. Olhou para o alto e viu o Macaco jogando caroços de fruta no chão.
– Ei, cuidado com o andar de baixo, seu Macaco.
– Quase me pega também e eu não tenho armadura – replicou uma Centopeia se esgueirando entre folhas secas.
– Desculpem minha má pontaria – disse o Macaco com pinta de idoso. – Já não enxergo como antes. E ainda bem que vocês falam, como eu.
– Bem, é uma longa história – falaram ao mesmo tempo o Jabuti e a Centopeia.
– Tenho todo tempo do mundo – disse, lá do galho, o Macaco catando parasitas na Macaca ao seu lado. – Desculpem, não a apresentei. É Chita III, minha mulher. Ela é bisneta da Chimpanzoa que serviu ao Tarzan, vocês sabem, aquele que se dizia nosso rei.
– Não é melhor chamar ela de Chimpanzé fêmea?
– Não – respondeu o macaco dando as costas para Chita catar seus parasitas. – Agora é moda, é Elefoa, Chimpanzoa, Jacaroa…
– Moda besta – indignou-se o Jabuti.
– Mas minha história é a seguinte: eu já fui humano e por isso falo como eles. Resolvi regredir ao estágio Centopeia, porque em breve não haverá mais a floresta amazônica. Estou cavando túneis e lá esperarei o Armagedon.
– Desgraça é feminino – ponderou o Jabuti -, então é Armagedoa. Bueno, eu também já fui humana, e regredi ao estágio Jabuti pelo mesmo motivo da Centopeia.
– Interessante, – falou a lacraia cruzando 50 perninhas em cima das outras 50. – Parece que estamos todos no mesmo barco, não é seu Macaco?
O Macaco estreitou os dedos como se estivesse segurando algo entre eles.
– Desculpem, ainda me lembro como era bom um cigarrinho. Vício maldito.
– Então vamos recapitular – falou o Jabuti. – Nós três involuímos porque a raça humana, a flora e a fauna vão para as cucuias, é isso?
– Isso, alvoroçou-se a Centopeia. – Então, seu Macaco, qual é a tua?
O Macaco deu um beijo na bochecha da Chita. Os dois outros involuídos se entreolharam.
– Vocês sabem como são esses casamentos longos, o sexo vai desaparecendo, desaparecendo… Lembro que a última vez foi num dia 28, não lembro de qual ano. Voltando à vaca fria, eu era alpinista, então regredi para algo que tivesse a ver, e verei o fim de tudo hahaha.
Foi uma risada sem graça, quase um lamento do tipo “só dói quando rio”.
– O fato é que todos nós acabaremos migrando para formas de vida cada vez mais simples, perderemos braços, pernas, não nos perguntaremos mais de onde viemos e para onde vamos, encolheremos cada vez mais até nos transformamos em organismos unicelulares e assim por diante – ou para trás – até que tudo que conhecemos, literalmente tudo, se transformar em um ponto minúsculo extremamente quente por milhões de bilhões de anos.
– O que virá depois destes milhões de bilhões de anos? – perguntaram ao mesmo tempo o Jabuti e a Centopeia.
O Macaca voltou a catar parasitas na Chita. Sem tirar os olhos das costas da mulher, disse só uma frase.
– O Big Bang.