Minha estada no inferno

31 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em Minha estada no inferno

rosário para rezar

 Uma das coisas mais desagradáveis que marcaram minha adolescência era a confissão. Minha mãe era uma católica muito fervorosa. Não permitia que se passasse uma semana sem ajoelhar naquela madeira dura do confessionário e falar, pela abertura quadriculada, para o padre, de ouvidos atentos do outro lado.

 – Mas eu não pequei, mãe!

 – Pecou sim, ou tu pensa que não te conheço? – dizia ela, desdenhando meu pânico.

 Maldição! Epa, outro pecado, se bem que praguejar é pecado venial. Os pecados se dividem em veniais e mortais. Os primeiros você não necessariamente precisava mencionar ao confessor, mas os segundos eram obrigatórios. Sem purgar a mora, digamos assim, ia-se para o inferno. E ia duas vezes se comungasse. Era meu caso, porque em boa parte das vezes eu só confessava os veniais.

 – Só isso? – perquiria o sacerdote. – Tem certeza de que não pecaste nem uma vez? Não tocaste teu corpo?

 Tocar o corpo significava masturbação. Ao negar a aproximação corporal, eu ruborizava tanto que a igreja toda deveria estar iluminada de vermelho.

 – Bem…quer dizer…tocar, toquei, mas não fui até o fim – respondia triunfante. Uma solene mentira, de fato, então era mais um inferno à vista com o diabo me espetando com um tridente em brasa.

 Então vinha o sermão, que um bom católico não se aproximava do seu corpo e a castidade era necessária blá blá blá. E ato cointínuo, a penitência. Não contei, mas devo ter rezado pelo menos 100 mil Padre Nosso e Ave Marias, sem citar o terço. E, por fim, o cara ainda me perguntava se eu me arrependia de verdade por ter cometido o pecado da carne.

 – Claro! – dizia, sacudindo energicamente a cabeça para confirmar a mentira.

 Evidentemente que esse arrependimento durava apenas um dia, se tanto. Pelo menos por 24 horas eu me sentia o mais piedoso dos cristãos e com entrada garantida no céu, com anjinhos cantando e sei eu que mais festividades inocentes eram feitas.

 Cá entre nós, tocar o corpo era muito mais divertido.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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