Meu passado no bicho
Confesso, já fui um contraventor. Esporádico, só no sábado, mas fui. Entrei nessa por pura pena. E também tive uma Vespa. Quer dizer, meia Vespa. Melhor dizendo, era emprestada. A minha Vespinha dava de relho na Lambretta, 8,5 HP, um a menos que a concorrente, mas tinha quatro marchas. A Lambretta só tinha três, era menos silenciosa do que a Vespa, se bem que, naquele tempo, barulho bom era descarga aberta.
Um amigo meu tinha uma e, nos finais de semana, viajava para a casa dos pais de ônibus, no Interior. Sucede que ele cursava Medicina na UFRGS, então, não tinha como trabalhar em emprego fixo. Como bico, recolhia o jogo do bicho no Mato Sampaio, hoje Vila Bom Jesus. Já era boca entaipada naquela época, imagina.
Um dia ele levou um tombo. Ficou no estaleiro por duas ou três semanas. E agora, dizia, ele gemendo na cama engessado, e minha comissão do bicho? De olho na Vespa, disse a ele que eu assumiria a bronca, era só ele me passar o roteiro, uma dezena de botecos, pé-sujo de favela. Era só pegar o dinheiro, conferir com o talão de apostas e entregar tudo para o patrão.
Não era um trabalho nem pesado nem perigoso. Acho que foram três sábados. A Loteria Federal corria às 18h. Da última vez, resolvi procurar uma dosa para o combate de Eros. E tradução: empregada doméstica – dosa vinha de empregadosa. Ou elas ou mulher da zona, e aí, o furo era mais embaixo. Requeria grana e não era lá grande coisa, porque mulher da zona fica olhando para o teto mascando chiclé e repetindo “Como você é gostoso paizinho”.
Mas entrou areia no que deveria ser uma longa noite de loucuras. Amanhã eu conto.