A solidão dos saudáveis
No auge da guerra fria e da União Soviética, nos anos 1970, um escritor polonês cujo nome infelizmente perdi, escreveu um conto que jamais esquecerei. Como é sabido, naquela época, livros só os que glorificavam a camada dirigente, a nomenclatura ou o regime. O resto era considerado lixo capitalista. Na dúvida, prendam o subversivo. Cá vai.
Um professor que conseguia livros de escritores ocidentais no mercado negro, varava a madrugada lendo estas obras. A partir de determinada hora, convinha aos cidadãos fiéis a Engels, Marx e Lenin apagar cedo a luz, já que até a energia era escassa. Dava até prisão. Então, ele tapava com panos as frestas da porta e das janelas para evitar que – da rua – alguém visse a luz acessa.
Mas certa noite deu errado. Da rua via-se um réstia de luz que contrastava com a escuridão do resto dos apartamentos do prédio, e um dedo-duro avisou a KGB Incontinenti. Uma viatura detectou a anomalia, invadiu o apartamento minúsculo do sujeito e o carregou direto ao camburão. Antes de levá-lo à Lubianka, temida prisão do regime em Moscou, fizeram o interrogatório dentro da viatura, que passou a circular nas ruas antes de tomar o destino final, o que consumiu um certo tempo.
Entre um olho roxo e outro, o leitor conseguiu avistar por uma fresta do carro uma luz em um prédio. Rejubilou-se, afinal não era o único a cultuar o hábito de leitura de madrugada, talvez um colega que também conseguia literatura ocidental ou proibida na URSS. Infelizmente, não foi assim. Em uma segunda volta no quarteirão viu a luz de novo e então descobriu a terrível verdade.
Ele estava realmente só. A luz que ele achava ser de outro prédio, era a dele.