A sepultura do Ulisses
Se existe algo que eu sempre me debruço fascinado são os cemitérios esquecidos do interior do Rio Grande do Sul. Sem querer fazer graçola, quanta vida existe neles. Cada sepultura abriga os restos de alguém que viveu, amou, foi feliz e infeliz, teve ou não família e, certamente, não teve uma morte confortável – pelas estatísticas, apenas 16 em 100 não são mergulhadas em dor.
Por extensão, curto também acidentes geográficos ou monumentos que relatam batalhas ou guerras do passado. Ninguém levanta um monumento à felicidade na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. No Alegrete, lá para os lados da BR-290 rumo a Uruguaiana, existe o Cerro da Sepultura. Só o nome já atrai. Quem me mostrou o local foi um antigo motorista chamado Ulisses, grande contador de causos, alguns até verídicos.
Para escapar das sangas cheias de um inverno dos anos 1980, o Ulisses me levou por um caminho alternativo. De repente, ele freia o carro e aponta um marco ou algo que lembra um monumento, de tão destroçado que estava. A história comum, alguém que tombou em combate em revoluções sangrentas costumeiras no passado gaúcho. O local tinha fama de mal-assombrado, outra qualidade que me atrai:
– E tem tesouro enterrado? – perguntei.
– Tem mesmo, como é que o senhor sabe?
Falei para o Ulisses que todas as sepulturas isoladas e todos os restos de algum monumento em lugar ermo têm ouro ou joias enterradas por perto. Ou tinham, porque os ouros enterrados já foram desenterrados. O motorista fez uma cara triste.
– Mas então não tem tesouro no Cerro da Sepultura? Será que não abriram buracos em lugar errado?
Levantei o vidro da janela porque entrava um Minuano gelado.
– Talvez sim, talvez não. Mas Ulisses, deixa eu te dizer uma coisa: tesouro é mais fascinante e excitante enterrado do que desenterrado. Por isso que, no passado, mulheres usando véu pareciam mais atraentes do que sem.