O pneu de Veranópolis
Interessante como existem cenas que, mesmo passadas na nossa infância, jamais nos abandonam. Quando eu era moleque, passei uns dias na casa do meu tio Laurindo Barreto, casado com uma das minhas tias prediletas, a Laura Selbach Barreto, irmã da minha mãe. Quando minha prima Alda ligou para dizer que lançaria seu livro “Alma de Oceano” (AGE) na Feira do Livro, dia 10 de novembro, falamos sobre nossa infância, primos, primas e tios da família Selbach. Lá pelas tantas, disse a ela que lembrava bem da casa deles em Alfredo Chaves, hoje Veranópolis.
Em um dia plúmbeo, cinzento e frio, brincava com o irmão da Alda, o Ruy, no porão da casa deles. Num canto, descobri um pneu velho e estreito, que percebi ser um ótimo brinquedo. Rolei com ele em um terreno gramado e, à medida que ia me afastando da casa, ele foi se enchendo de lama, o que causou uma sensação desagradável de frio nas mãos. Fora o esforço para levantá-lo depois que ele caía.
Mas rolar aquele pneu, a coisa mais perto de um carro imaginário, valia todo o sacrifício. De longe, no umbral do porão, Ruy assistia, divertido, o esforço orgulhoso de uma criança que não se abatia e empurrava com as mãos, feliz, aquele pedaço de borracha como se de um caminhão fosse.
A pensadora Gertrude Stein tinha razão: por dentro, temos sempre a mesma idade.