Sonho irrealizado
Saiu uma foto dos anos 1970 do famoso Adelaide’s Bar, no Centro de Porto Alegre, e houve uma discussão sobre quem era quem na foto. Eu apontei um deles como sendo o Clio do Cavaquinho, mas o Luiz de Miranda disse que não era ele. O Clio era o melhor profissional gaúcho deste instrumento. E era mesmo. Teve uma vida boa até que o diabetes lhe deu um abraço de urso.
Numa noite, ele me contou um caso bizarro. Ele estava em um bar (onde mais seria o palco de uma boa história?) se queixando da vida para seu fiel violonista, o violão sete cordas. O parceiro o interrompeu abruptamente.
– Mas o que é isso, seu? Tiveste bar, amante rica, viajaste, bebeste só uísque do bom, dormiste em lençol de seda, vida mansa, tá reclamando de quê? Agora olha só pra mim. Sempre te acompanhei, toquei contigo e nunca ninguém me viu e nem me reconhece como artista. No máximo, meu nome aparecia bem pequeno na contracapa dos discos que gravaste.
Pegou o copo e entornou duas doses de amargura.
– O pior, a tragédia é que nunca consegui realizar o sonho de toda a minha vida, e tu nunca me perguntou qual era.
Caiu a ficha de Clio.
– Puxa, que mancada a minha! E qual o teu sonho irrealizado, quem sabe posso dar um jeito?
O amigo olhou o outro bem nos olhos.
– Viajar para o exterior.
Clio já não estava mais nos bons tempos, as viagens eram caríssimas naqueles anos 1970, e ele subitamente achou que o sonho do violonista continuaria irrealizado. Mas por descargo de consciência, resolveu ir até o fim.
– E qual o país que queres conhecer?
– Libres.
– Como é que é?
– Quero ir para o exterior. Libres.
O resumo do causo é que, no dia seguinte, Clio e seu fiel escudeiro pegaram um trem húngaro e foram para Uruguaiana, atravessaram a ponte, tomaram um porre nalgum boteco qualquer do lado argentino e no dia seguinte voltaram para Porto Alegre. O violinista morreu pouco tempo depois. Feliz da vida porque finalmente tinha viajado para o exterior.