Quando eu era múmia
Está bem, eu aceito que algum dia o jornal impresso vai terminar. Então, como o povo vai limpar vidraça e parabrisa de carro? E como vai manter aquecida a panela do arroz? Sem falar que jornal velho é bom para muita coisa, é tipo Bombril com suas mil e uma utilidades. Aliás, a fabricante parou de usar esse bordão. Será porque só tinha 999 e o CONAR deu em cima?
Independentemente da sua leitura, é longa a interação entre a sociedade e o jornal. Até para embrulhar peixe como o povão gosta. Serve também para secar os pés vindo de uma enxurrada, se colocado no chão evita que tinta manche o assoalho, absorve gordura, respingos de frituras, serve como embrulho provisório de lixo entre a cozinha e a lata de lixo. Em casebres e casas humildes das vilas e favelas, folhas de jornal nas frestas das paredes evitar a entrada do vento frio no inverno.
Na verdade, o uso de papel de jornal de ontem – e não existe nada mais velho que o jornal de ontem – tem inúmeras outras aplicações. Eu mesmo já usei jornal como isolante térmico quando tinha pouca roupa de inverno nos tempos da peladura. Folhas colocadas entre a camisa e as calças impediam que os ventos gelados Pampeiro e Minuano me congelassem quando era repórter de madrugada no jornal Zero Hora, quando a redação ficava na rua Sete de Setembro, que os encanava, em especial o Pampeiro.
Naquelas gélidas madrugadas consegui entender como se sentiam as múmias egípcias. Se naquele tempo tivesse jornal, pelo menos elas não sentiriam frio quando o barqueiro Creonte atravessava o rio Estige aproando o outro mundo.