Perdido na noite

25 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em Perdido na noite

O japonês S.N. estava no Brasil havia pouco tempo. Saiu do navio e foi ser laboratorista de um jornal da pauliceia desvairada. De lá pulou para Porto Alegre e foi meu fotógrafo quando fui repórter policial da madrugada. Não falava quase nada de português afora “tzero hora” e “qué foto?”. Não raro tinha que defendê-lo, porque os policiais ou até detidos achavam que ele estava de gozação.

Ajudou um pouco o fato de ele ser japonês atarracado, e eu ainda fazia um alerta: cuidado que o japuca é faixa preta. Apontem-me uma redação sem sacanas e vos mostrarei uma UTI. Com aquela cara inexpressiva de monge, colava. Claro que aprontávamos para ele. Certa noite, fomos a um jantar na casa de um capitão da Brigada Militar de sobrenome Kelleter.

Findo o jantar, onde S. tomou um porre de cerveja, em vez de levá-lo com a caminhonete do jornal para a pensão onde ele morava, o Betinho o abandonou na Lima e Silva. Nós atrás, a uma prudente distância. Afinal, ainda restava em nós um pouco do espírito cristão.

Imagina a cena. Você num país distante, sem falar a língua, de porre, numa rua escura e deserta, cujo nome não sabe, tateando o muro sem saber para onde ia.  Nessa altura ouviu-se o lamento do perdido numa noite suja com as únicas palavras em português que conhecia:

– Capito Kaleto, tzero hora qué foto?

 

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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