Perdido na noite
O japonês S.N. estava no Brasil havia pouco tempo. Saiu do navio e foi ser laboratorista de um jornal da pauliceia desvairada. De lá pulou para Porto Alegre e foi meu fotógrafo quando fui repórter policial da madrugada. Não falava quase nada de português afora “tzero hora” e “qué foto?”. Não raro tinha que defendê-lo, porque os policiais ou até detidos achavam que ele estava de gozação.
Ajudou um pouco o fato de ele ser japonês atarracado, e eu ainda fazia um alerta: cuidado que o japuca é faixa preta. Apontem-me uma redação sem sacanas e vos mostrarei uma UTI. Com aquela cara inexpressiva de monge, colava. Claro que aprontávamos para ele. Certa noite, fomos a um jantar na casa de um capitão da Brigada Militar de sobrenome Kelleter.
Findo o jantar, onde S. tomou um porre de cerveja, em vez de levá-lo com a caminhonete do jornal para a pensão onde ele morava, o Betinho o abandonou na Lima e Silva. Nós atrás, a uma prudente distância. Afinal, ainda restava em nós um pouco do espírito cristão.
Imagina a cena. Você num país distante, sem falar a língua, de porre, numa rua escura e deserta, cujo nome não sabe, tateando o muro sem saber para onde ia. Nessa altura ouviu-se o lamento do perdido numa noite suja com as únicas palavras em português que conhecia:
– Capito Kaleto, tzero hora qué foto?