Os esquecidos

9 maio • Caso do Dia1 comentário em Os esquecidos

   Tem lista de melhores bares, melhores restaurantes, melhores choperias, melhores galeterias, melhores churrascarias, mas não de melhores garçons. No meu entendimento, um estabelecimento não pode ser dissociado dos homens da bandeja e, nos antigamentes, da gravata borboleta.

   Meu amigo de longa data Bento Silveira, quando ainda se podia respirar em Porto Alegre, escreveu este belo texto sobre estes anônimos profissionais. Curta e depois me diga se é bom ou não é.

Uma mesa de bar

Quantas vezes sentei à mesa de um bar, não sei, não me preocupei em contar, mas que foram milhares foram, e em quase todas consegui ter alguém especial a me fazer companhia, mesmo que por poucos minutos. Saborear as besteiras, as mentiras, as estórias que faziam parte permanente entre os convivas, umas que lhes doíam, outras que os faziam felizes, mas eram narradas naquela mesa para quem quisesse ouvi-las.

Das mais diversas classes sociais, eram todos iguais naquele lugar sagrado do aperitivo do meio-dia ou final da tarde, com seus lugares quase sempre pré-determinados e obedecidos religiosamente, numa demonstração de profundo respeito pelos pares.

Não são diferentes em lugar nenhum do mundo. São apenas amigos que não sabem falar sem umedecer os lábios para narrar suas mais diversas e fantásticas experiências de vida, são os mais generosos e incrivelmente soberbos em sua irresponsabilidade, como ninguém.

Não é efeito do que bebem, são feitos para fazerem parte de nossas estórias como nossos poetas até hoje fizeram, e que outros farão, trazendo, além da boemia, a alegria de embalar nossos mais diversos sonhos e amores.

Na mesa deles, é proibido discutir política, futebol e religião, com exceção de alguns comentários sempre respeitosos e algumas vezes sarcásticos, não podendo nunca alterar o momento sublime de beberem juntos.

Não se pode imaginar o mundo sem eles. Onde colocaríamos todas as mesas vazias, as cadeiras surradas pelas bundas embriagadas, os copos, que inteiros já são poucos e vazios quase todos. Os garçons como viveriam, como  tirariam seu sustento e as gorjetas que são de dez por cento até a segunda dose, depois nunca se sabe, podem surpreender de tão gordas.

E as garrafas? Não são pet, são quase todas de vidro. Onde as colocaríamos sem prejudicar o meio ambiente? Pois elas não desaparecem, ficam eternamente em algum lugar, inteiras ou trituradas até virarem pó, mas permanecem. Acho que acontece para que ninguém esqueça de quem mais as utilizou, eles.

E quando o mundo de fato acabar, haverá um encontro em algum lugar especial, onde todos estarão com as mãos entrelaçadas transbordando carinho, rindo a toa pela copa franca e contando suas inesquecíveis e bêbadas besteiras.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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One Response to Os esquecidos

  1. Bento Silveira disse:

    FOI UMA HONRA TER COLABORADO COM TUA COLUNA, QUE SEMPRE TRAZ MUITA QUALIDADE DE INFORMAÇÃO.UM CALOROSO ABRAÇO

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