Os esquecidos
Antes de 1964, prendiam os comunistas e subversivos a toda hora. Como no filme Casablanca, os suspeitos eram os de sempre. O jornalista João Baptista Aveline era um deles. Qualquer rolo, lá ia ele em cana. O suspeito de sempre. Certa noite, ele e outros comunistas foram presos pelo Dops, a polícia política. Hora do depoimento. O delegado começou com Aveline, seu velho conhecido de tantas prisões. O escrivão botou papel na máquina de escrever, dedos no teclado.
– Nome?
– Não sei – disse o Aveline, marcando bem o “não”.
O delegado suspirou.
– Para com isso, Aveline, eu preciso dos teus dados, nome, nome dos pais, essas coisas para teu depoimento. Diz logo para a gente dormir de uma vez, caramba! De novo: nome?
– Não sei.
– Nome dos pais?
O policial ficou uma arara, mas não teve jeito. Vinha a pergunta e a resposta era sempre a mesma.
– Não sei.
– Aveline, se tu não me diz teus dados e filiação vou ter que encontrar duas testemunhas, até achar, até …meu Deus, te deste conta que vamos sair daqui de madrugada? Me dá teu nome antes que eu te mande pro raio que o parta!
– Nãããão sei.
Alta madrugada e todos presos na burocracia dos depoimentos, o delegado com um beiço que ia do prédio do Dops, na avenida Mauá, até o Cais do Porto porque perdeu um jantar. E o comunista Aveline ali bem sentadinho, displicente, assobiando ou olhando para o teto. De repente, ficou apertado, precisava urinar. Jogou o corpo para a frente.
– Delegado, onde é mesmo o banheiro que esqueci?
O delegado abriu um largo sorriso.
– Não sei.