Os dois bares da Rua da Praia

10 nov • A Vida como ela foi1 comentário em Os dois bares da Rua da Praia

Tão decantada em prosa, verso e música (Rua da Praia/Que não tem praia, de Alberto do Canto) curiosamente a rua dos Andradas só teve dois bares nos anos dourados, o piano-bar Je Reviens, que não era bem bar-chope, na esquina com a General Câmara; e o Oásis, na subida, ao lado da Confeitaria Princesa, com dois ambientes. Em uma pequena vitrine, jaziam dois camarões gigantes, raramente encontráveis na casa. O dono era o Zé Português, que um dia dos anos 1970 encasquetou de construir um barco/iate de aço em estaleiro da Zona Sul. Fê-lo.

Da Caldas Júnior até a Casa de Cultura Mário Quintana, Hotel Magestic, na época, quedavam o que hoje chamamos de lancherias. De noite o papo era outro. No Bar Leão, que existe até hoje, boêmios e jornalistas bebiam cerveja com direito a ouvir a última poesia do poeta maldito Moacýr Ribeiro. Foi nos anos 1960,  parte dois.

– Hoje eu amanheci com uma vontade louca de brigar com Deus.

À noite, a rua Sete de Setembro era povoada por meretrizes, ou mulheres de vida fácil no jargão da época. Fácil nada. A tarefa era facilitada porque só havia prédios comerciais. Elas esquentavam os tamborins no Bar Leão e vizinhos, e depois se esgueiravam pela sombra da noite à cata de fregueses para encontros furtivos, rápidos e perigosos. Usava-se muita navalha, então, e não era para barbear.

Na Sete de Setembro, em frente à redação da Zero Hora na época, havia um casarão com estranho clube, o Nordestino. Só eram encontrados no Carnaval, pequeno grupo de egressos daquela região que pulava por uma ou duas noites. No bar, tosco, seu Légui cozinhava pratos rápidos em um fogão de duas bocas. Para beber, uma infusão adocicada com cachaça chamada Caju Amigo, responsável por uma longa lista de fígados assassinados.

Para variar, era muito frequentado por jornalistas não-esnobes da ZH, em cima do Cine Rex, hoje estacionamento com o mesmo nome, e da Caldas Júnior. Gente fina ia para o Je Reviens. Os trabalhos começavam depois do “fecha” da edições, da noite para a madrugada. Jogava-se miniesnuque enquanto as palavras eram molhadas com cerveja ou Caju Amigo. Trazidas pelos ventos lá do Bar Leão, ecoava mais uma parte da última poesia do poeta maldito.

– Vocês não entendem nada de ternura humana.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

One Response to Os dois bares da Rua da Praia

  1. Claudio Souza disse:

    Linda crônica, em forma de reminiscências. Vivi alguns desses lugares or algum tempo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »