Os amores salgados
Eu gostava tanto dos carnavais até os anos 1970, quando tudo começou a desembestar de tal forma que nem vaca reconhece mais bezerro. Mesmo sem pular Carnaval, gostava muito do fim dos bailes, a terça-feira gorda na SAT, em Tramandaí.
Eu morava no Edifício Condomínio Tramandaí, um dos prédios perto do mar mais antigos da cidade. Quando terminava o último baile de Carnaval, já raiando o dia, os foliões resistentes ao sono ou curtindo a namorada que conheceram na festa, caminhavam pela Rua da Igreja até o mar, acompanhados de leves traços de bateria e um esganiçado restolho de marchinhas ou sambas da época.
Eu acordava quando estavam a duas quadras de distância, então ia até a beira-mar para dar minha caminhada matutina até Imbé. Mas antes curtia a gurizada. Maior parte ainda perdida nas névoas do álcool consumido aos hectolitros durante a noite e se molhavam nas ondas que lhes davam bom-dia e beijavam os pés. Outros entravam mar adentro para dar bom-dia à África ou ao Sol, o que viesse primeiro.
Namorados que vinham do clube até a areia se beijando eram atração à parte. Alguns procuravam um cantinho inexistente nos pequenos cômoros e se amassavam a mais não poder. Às vezes, ensaiavam até uma transa encobertos por algum cartaz perdido que procurava namorados para lhes servir de proteção. Depois era depois. Enquanto o sol subia para mais um dia de glória, alguns recalcitrantes dormiam na areia – bêbado não dorme, desmaia. Não raro, acordavam como se botassem neles uma capa de pimentão vermelho.
Era muito divertido.