O último recurso
A lembrança do velho Centro de Porto Alegre deixa veteranos melancólicos e jovens curiosos – afinal, o que tinha de tão especial a área central da Capital gaúcha? Para começar a conversa, nada a ver com a área central de hoje. O Centro era um oásis.
Na Praça da Alfândega, quase ao lado dos cinemas Imperial e Guarani, ficava o Matheus, um misto de padaria com comida a quilo e lanchonete. Eram dois os pratos fortes: pernil em pão com um molho supimpa e o cachorro-quente. Para beber, Guaraná Caçulinha, suco de laranja ou batidas (vitaminas para os paulistas) de banana ou abacate.
Ali aglutinavam-se espécimes variados, alguns de dia, outros de madrugada, porque a área era segura. Nos bancos da praça, conversavam noite adentro intelectuais, filósofos ou insones. Entre os que frequentavam a praça, estava o doutor Zeca.
Nessas horas, tinha a acompanhá-lo um amigo, o V., baixinho ao extremo, que tinha em Zeca seu único confidente. Mas era baixinho mesmo, a centímetros de ser, no politicamente correto, “pessoa verticalmente prejudicada”. Certa noite, o baixinho desabafou.
– Zeca, és o único a quem posso contar meu drama. Não tens ideia da minha triste vida por causa da minha baixa estatura. Piadas e apelidos me acompanham desde a infância, pintor de rodapé, tampinha….
Soluçou.
– …eu sofro, Zeca, não aguento mais minha altura! E o pior é que não há solução, não posso fazer nada!
Zeca não perdeu vaza.
– Já experimentaste aguar os pés?
Perdeu o amigo mas não a piada.