O tratorista

15 maio • A Vida como ela foiNenhum comentário em O tratorista

 Afeito aos bares em volta do Mercado Público de Porto Alegre, o jornalista e professor Wladimir Ungaretti estava em um deles, certa tarde, quando apareceu um cidadão com jeitão de gauchão do Interior. Como é comum em estabelecimentos deste tipo, todos interagem. Não há estranhos depois da terceira dose, é minha tese. Mesmo que você vá ao pé-sujo de um bairro totalmente estranho que você jamais entrou. Em algumas horas de trago e papo, todos sabem não só quem é quem mas até quantos filhos e qual a sua idade e escolaridade. Brasileiro é assim.

 Só que o gauchão era surdo-mudo. Explicou sua situação por gestos enquanto rabiscava mal-traçadas num papel com horrível letra. Mas deu para entender. Por gestos contou que era tratorista de uma lavoura de arroz em Uruguaiana, processo que obviamente levou algum tempo. Solidários com sua situação, os fregueses entabularam algum tipo de conversa gestual e escrita. O garçom tratou de trazer a cerveja mais gelada que achou no freezer do bar. Nada como uma deficiência para atrair simpatias e solidariedade.

 Até que o mundo caiu. No final da tarde, o surdo-mudo começou a falar sem mais nem menos. Falava e ouvia, como se nada tivesse acontecido desde a hora em que entrou no pedaço. Num primeiro instante, todos ficaram atônitos. Então Ungaretti começou a rir, às bandeiras despregadas. Algum tipo de malandragem havia e alguma explicação deveria existir, já que não fora milagre. Mas qual é a tua, qual é essa de se fingir de surdo-mudo e, de repente, começar a falar pelos cotovelos.

 – Bueno, eu entrei e vi que todo mundo falava com todo mundo, então inventei essa de surdo-mudo para entrar no papo.

 Houve até quem quisesse dar uns petelecos no atrevido mentiroso, outros ficaram apenas revoltados. A simpatia fez “puf! e se desmanchou no ar. Wladimir, um sujeito pacato e observador da natureza humana, apenas achou graça… Quem também não se confirmou foi o garçom.

– Puxa, eu ainda pegava a ceva mais gelada do fundo do freezer para o cara…..

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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