O sequestro do bonde

27 jul • A Vida como ela foi1 comentário em O sequestro do bonde

bondes de porto alegre

 Todo mundo enxerga os antigos bondes de Porto Alegre como algo glamoroso e eficiente, mas isso aos olhos de hoje. Na época, era bom e era ruim. Barulhentos com suas rodas de ferro, para o fluxo do trânsito, eram um desastre, porque a entrada e saída dos passageiros pelas quatro portas obrigava todo mundo a parar. Menos mal que Porto Alegre tinha menos de 30 mil automóveis até 1968, quando o grosso das linhas foi desativado.

 Havia dois modelos. Um mais longo, onde viajava-se relativamente bem. Era melhor ficar de pé, porque os bancos eram de madeira e nada funcionais. Em linhas menos votadas, como Navegantes, a Carris utilizava o bonde gaiola. Mais curto, tinha só um par de rodas, o que o transformava em uma batedeira assim que o motorneiro imprimia um pouco mais de velocidade.

 Vocês não têm ideia do que era viajar no gaiola quando ele começava a chacoalhar longitudinalmente. Tinha que se segurar no encosto do banco da frente. Boa parte dos que viajavam de pé tiveram que desenvolver mecanismos motores para manter o equilíbrio. Alguns gostavam de viajar dependurados nas portas, de prontidão para escafeder-se quando chegava o cobrador. Eram chamados de pingentes e não raro um deles se estatelava no chão e entrava nas estatísticas.

 Certa vez, alguns pândegos sequestraram um bonde na frente da Lancheria Paris, que existe até hoje, na rua Riachuelo quase Borges de Medeiros.  O motorneiro, o cobrador e o fiscal estavam fazendo um lanche – eram chamados de tranviários – quando a turma se apossou dos controles. Para garantir a integridade física e evitar a cana – era no tempo do regime militar – botaram um general da reserva a bordo, devidamente abastecido com generosas doses de gim-tônica. Era noite alta, e a turma zanzou por diversos bairros da cidade até que, prudentemente, deram às vilas Diogo, expressão da época para fugir, debandar. O general, nascido lá pelas bandas do Alegrete, achou que era uma viagem comemorativa patrocinada pela Carris. E com serviço de bordo. A essa altura, a Carris inteira estava em polvorosa com o “sequestro”.

 Viajar nas portas em dias de frio e chuva era um suplício. Hoje, tudo parece bonito e mesmo gerações que usavam os chamados “elétricos” têm saudades deles. Eu digo o seguinte: não é que eu tenha saudade dos bondes, eu tenho é saudade do tempo em que eles eram parte da paisagem porto-alegrense.

Foto da internet sem identificação de autor.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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One Response to O sequestro do bonde

  1. Jairo disse:

    É isso mesmo! Os bondes faziam parte de uma paisagem inesquecível aos olhos dos portoalegrenses de nossa geração. Tempos do Mercado Livre, da Praça Parobé, da Volta do Mercado, da Estação Central da VFRGS, de Augusto Pestana, do Trem Minuano, da Varig……

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