O senhor distinto (final)
Quando o funcionário público distinto ouviu o contribuinte distinto insinuar que ele era burro, subiu nas tamancas e rodou à baiana.
– Como é que é? O senhor está me ofendendo! Burro é o senhor que se chama Arnesto em vez de Ernesto…
– O senhor está chamando meu pai de burro, isso sim. Não esqueça que sou eu que lhe pago todo final de mês, portanto, não vá o sapateiro além das chinelas.
– No, sutor, ultra credipam. O senhor escondido atrás desse lencinho e terno claro pensa que saber latim é exclusividade sua? E estou eu aqui perdendo o tempo – agora sim, do contribuinte – ouvindo suas algaravias.
Alertado pelas altas vozes da discussão, o distinto chefe do funcionário distinto adentrou o recinto com as mãos espalmadas.
– Calma, senhores, por favor calma. Toda a repartição e as pessoas que dela precisam estão ouvindo, o que decididamente não faz bem à civilidade. Pelo que entendi, foi só por causa da grafia de um nome, correto?
– Foi ele quem começou – berraram os dois ao mesmo tempo.
– Senhores, estou aqui como que analisando um acidente de avião. Não quero saber dos culpados, quero é saber o que houve para que isso não se repita.
O distinto chefe fez um silêncio calculado. Esperou que as palavras proferidas ricocheteassem nas paredes e entrassem nos ouvidos da dupla até serem acolhidas pelos cérebros.
– Bem – falou o funcionário público. – Talvez eu tenha me excedido.
– Bom…é…talvez eu também tenha me excedido.
O distinto chefe ficou radiante.
– Estão vendo? Bastam leves traços de cordialidade para evitar uma briga.
E saiu do recinto rumo ao seu gabinete convicto de ter feito a boa ação do dia. Assim que ele saiu, o funcionário público distinto se virou para o senhor distinto.
– Então vamos lá. Seu nome é Arnesto, bonito nome por sinal. E o sobrenome?
– Azambujo.