O senhor distinto (final)

17 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em O senhor distinto (final)

Quando o funcionário público distinto ouviu o contribuinte distinto insinuar que ele era burro, subiu nas tamancas e rodou à baiana.

– Como é que é? O senhor está me ofendendo! Burro é o senhor que se chama Arnesto em vez de Ernesto…

– O senhor está chamando meu pai de burro, isso sim. Não esqueça que sou eu que lhe pago todo final de mês, portanto, não vá o sapateiro além das chinelas.

– No, sutor, ultra credipam. O senhor escondido atrás desse lencinho e terno claro pensa que saber latim é exclusividade sua? E estou eu aqui perdendo o tempo – agora sim, do contribuinte – ouvindo suas algaravias.

Alertado pelas altas vozes da discussão, o distinto chefe do funcionário distinto adentrou o recinto com as mãos espalmadas.

– Calma, senhores, por favor calma. Toda a repartição e as pessoas que dela precisam estão ouvindo, o que decididamente não faz bem à civilidade. Pelo que entendi, foi só por causa da grafia de um nome, correto?

– Foi ele quem começou – berraram os dois ao mesmo tempo.

– Senhores, estou aqui como que analisando um acidente de avião. Não quero saber dos culpados, quero é saber o que houve para que isso não se repita.

O distinto chefe fez um silêncio calculado. Esperou que as palavras proferidas ricocheteassem nas paredes e entrassem nos ouvidos da dupla até serem acolhidas pelos cérebros.

– Bem – falou o funcionário público. – Talvez eu tenha me excedido.

– Bom…é…talvez eu também tenha me excedido.

O distinto chefe ficou radiante.

– Estão vendo? Bastam leves traços de cordialidade para evitar uma briga.

E saiu do recinto rumo ao seu gabinete convicto de ter feito a boa ação do dia. Assim que ele saiu, o funcionário público distinto se virou para o senhor distinto.

– Então vamos lá. Seu nome é Arnesto, bonito nome por sinal. E o sobrenome?

– Azambujo.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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