O paraíso condensado
Quando eu tinha 16 anos, meus pais me mandaram para o internato do Colégio São Jacó, em Novo Hamburgo, bairro Hamburgo Velho (RS), hoje sede da Universidade Feevale. Internato é internato, é como prisão, não adianta luxo na cela. Como eram tristes aqueles anos, para usar uma frase de Lotte, mulher do escritor Stefan Zweig na sua carta de demissão. A cada duas semanas e com expressa autorização dos pais, você fazia uma maratona usando três ônibus pinga-pinga para chegar, no meu caso, a Montenegro. Saía no sábado às 10h e domingo de noite tinha que estar lá antes das 19h.
Domingos eu já amanhecia triste. Minha mãe colocava uma lata de leite condensado Moça (Viva a Nestle!), aquecida em banho-maria até virar dulce de leche ou algo perto disso. Nem o Santo Graal era tão guardado quanto aquela lata, escondia-a entre meus cadernos, canetas e livros escolares colocados dentro de uma estante com generoso espaço.
Não se roubava doces alheios naqueles tempos – hoje feliz – e na época tão amargos. Todo santo dia, eu levantava a tampa da latinha e saboreava uma colherinha pequena daquela delícia. Raspava tanto o fundo com a colher que a parte interna brilhava mais que osso de cadáver de camelo ao sol do Saara. O bicho comeu.
Esse foi meu conceito de felicidade nos tempos do internato do São Jacó. Uma simples lata de leite condensado era entrar no paraíso – em colheradas miúdas para durar mais tempo. Tem alguma moral da história aí, mas não estou aí para fazer a exegese da filosofia de um subproduto gerado por uma simples, eficiente e inocente vaca.