Minha namorada

22 set • A Vida como ela foiNenhum comentário em Minha namorada

Ouvi, ó crianças, como era bela minha namorada nos anos 1960. Linda, letrada, bem vestida, cheia de vida, com poucos rancores e muitos humores, era a alegria da minha vida. Nos anos1970, ela começou a fazer plásticas. Como todas as mulheres que fazem essas cirurgias, ela ficou com cara de…mulher que fez plástica. Os anos dourados haviam passado. Começou a ficar ranzinza, mal humorada e feia. O tempo é o senhor da decadência.

Minha namorada chamava-se Porto Alegre. Para quem vinha do Interior, até o zumbido dos letreiros a gás neon na madrugada silenciosa da Rua da Praia soavam como música. Então visitavam-se os restaurantes do Mercado Público. Nem todos eram para o nosso bico, porque o salário era pouco.

A salvação era um tijolo marrom escuro vendido nas bancas do Abrigo dos Bondes,  o mata-fome, restos mortais de doces prensados. Acompanhado de batida de abacate ou banana, tornava-nos muito felizes. Devo isso ao mata-fome. Crianças, não existe coisa pior que dormir com fome.

Na borda sul do Mercado havia o Treviso, já conhecido, com dois diferenciais: canja de galinha com gema de ovo nonato, despejado com cucharras na sopa quentíssima, e o Picadinho à Maria Luíza, carne com ovos, sempre imitado, mas nunca  igualado. Ninguém mais faz esse prato. A receita foi levada  pelos fantasmas, escondidos nas brumas do passado.

O alargamento da avenida Júlio de Castilhos derrubou a Churrascaria Urca, um apêndice do prédio. Ao lado existia o Graxaim, uma espécie de Treviso do B. Depois, vinham o Gambrinus e o Bar Naval, boca muito entaipada quando marujos o lotavam. Pois foi no Naval que aconteceu, muito tempo depois, um caso envolvendo um político conhecido por gostar muito de água que passarinho não bebe.

Bar lotado, fim do expediente, início das noites loucas, o tal político resolveu dar as caras depois de um bom tempo de ausência. Coisas do status. Não se bebe na planície. Quando o homem entrou, veio uma salva de palmas, abraços, vivas e  brindes, alvoroço quebrado por segundos de ausência de som. Pois foi neste momento que se ouviu um alerta de voz anônima.

– Não serve canha pro homem que ele ainda tá de serviço!

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »