Meu pequeno paraíso

22 mar • A Vida como ela foi2 comentários em Meu pequeno paraíso

   O município de São Vendelino, que adotou o slogan oficial de “Pequeno Paraíso”, tem renda per capita de US$ 17 mil – US$ 20 mil é considerado índice de país desenvolvido. Para quem não sabe, foi lá que nasci. Saudades da minha infância e adolescência, do meu arroio Forromeco, dos primos, amigos, das paisagens que já se foram e não voltam mais, daquele dia em que, estava olhando para um dos morros, percebi, espantado, que o som de um homem rachando lenha só chegava aos meus ouvidos depois da machadada, meu batismo em Mach 1, a velocidade do som.

   Eu deveria ter seis anos, quando muito. A cena está tão nítida na minha cabeça que sinto até o cheiro do pão de milho que a empregada Rosa assava no forno a lenha naquele preciso momento. Engraçado, meu amigo Proust, ainda vejo a cena, a hora, meio da tarde, mas não lembro da cara da Rosa, só que ela era grande – e quem não era grande para nós pequenos? – e que era ruiva.

   Plantei uma pitangueira em um grande vaso em uma das sacadas do meu apartamento. Eu acaricio seu magro tronco quando saio de manhã cedo. Ela chegou a estar carregadinha de pitangas, mas sinto que falta-lhe espaço. Quando eu comia uma, imediatamente era transportado para minha ilha particular em São Vendelino.

   De uma represa artesanal, que não existe mais, saía um canal que alimentava o moinho colonial distante uns bons 600 metros – para mim eram 500 quilômetros de pura fantasia. Em um trecho, o curso da água criou uma pequena ilha, um pedaço cheio de pitangueiras, um frescor só no verão. Fiz uma ponte com tábuas e me refugiava na minha ilha do Tesouro, não sem antes tirar a tábua. Era meu reino, meu lebensraum, meu espaço vital.

   Hoje, não quero mais voltar para lá. Mudou tudo, vieram as indústrias e o progresso. Dos meus amigos de infância restam poucos, e meus primos moram em outras cidades. Se existir mesmo outra vida e a ela eu tiver acesso, é na minha pequena ilha que quero passar a eternidade, naqueles poucos metros cheios de pitangueiras e felicidade, que me alegram e me doem ao mesmo tempo quando deles me lembro.

Foto da internet, sem identificação do autor 

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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2 Responses to Meu pequeno paraíso

  1. Marjori Michelin disse:

    Querido Albrecht,
    que baita texto! Até porque cada um tem sua ilha particular lá na infância (a minha resta só na lembrança, mas intacta). Tenho estado na torcida por ti. Nào sou religiosa, bem pelo contrário, mas sou fã confessa de Santo Antônio, que “ao doente torna são”, conforme diz o Si quaeris. Vai tudo dar certo. Tive um susto desses aos 38 anos e cá estou, aos 60, bem faceira da vida. Paciência, que acaba.
    Grande beijo,
    Marjori

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