Melancolia impressa

16 dez • Caso do Dia, NotasNenhum comentário em Melancolia impressa

Para a operosa comunidade dos jornalistas que trabalham em jornais impressos, o Natal de 2019 é um dos mais melancólicos das últimas décadas. Diria até que é o mais melancólico. Estamos sendo extintos em ritmo acelerado, e acredito que – em parte – alguns periódicos vão sobreviver por um bom tempo. Mas o grosso, esse vai para o ralo assim como uma formiga pega no redemoinho de uma tromba d’água em boca de lobo.

A MESMICE COMO PROFISSÃO

Apesar dos ventos contrários, continuo convicto que os jornais grandes contribuíram para abreviar a sua gloriosa vida. Insisto, há muito tempo não exploramos todas as potencialidades de um jornal, então desaprendemos de procurar saídas que desaguem em edições que interessem mais o leitor. Em suma, não estamos dando ao leitor um jornal que ela queira ler. Enveredamos para o perigoso caminho da mesmice, expresso e impresso em notícias que em boa parte não interessam ou interessam pouco aos que pagam um bom dinheirinho para ter esse privilégio discutível.

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AS BARRAS INSOSSAS

Sempre comparo a matéria-prima da informação aos tais chocolates caseiros. Todas as fábricas recebem a mesma barra de chocolate de algum fornecedor de São Paulo, entre outras, e depois refundem a massa acrescentando amendoim, mais açúcar, nozes, flocos e outros que tais. Igualzinho às agências de notícias. A fonte é a mesma, e o amendoim que as edições colocam, ao fim e ao cabo, é a interpretação de um fato que passou por pelo menos meia dúzia de intermediários, fato que pode ser a vida selvagem de alguma parte da Groenlândia sem nunca ter estado lá. E com pose de doutores. Criticamos Vladimir Putin com tanta intimidade como se ele morasse na mesma rua que a nossa.

 O FIM DA CURIOSIDADE

OK, tem a internet e o aumento exponencial dos que não sabem ler, dos que não querem ler e dos que acham a vida até melhor sem ler o que o vulgo define como “só tem notícia ruim”. Tenho repetido aqui que nós jornalistas desaprendemos a contar histórias. Faço minha parte e esgrimo essa necessidade desde os anos 1970. Para piorar tudo, jornalista não tem mais aquela qualidade que é vital para o ofício: a curiosidade. As faculdades despejam profissionais aos magotes, ensinados por professores que, na maioria, nunca pisaram numa redação. Pelo menos aqui no Rio Grande do Sul.

A TRAGÉDIA

Para seguir apenas um trecho da estrada da insensatez universitária brasileira, basta dizer que alunos se formam e tão logo botem o canudo na gaveta fazem mestrado e ensinam ou acham que ensinam aquilo que jamais aprenderam na prática.

Ah, não é bem assim? Desculpa. É bem assim.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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