Maracanã dissidente

14 out • ArtigosNenhum comentário em Maracanã dissidente

O antigo distrito do Durasnal, “no” Alegrete, tem uma peculiaridade marcante: formado por pequenas fazendas onde os habitantes praticam agropecuária competente. Lugar em que a reforma agrária já foi feita  naturalmente, explicada por famílias de muitos filhos e sucessivos inventários.

Aliás, há uma forte crença entre os proprietários rurais, quando nela entendem que poucos latifúndios aguentam três sucessões, ao fim da última, e raras exceções, os herdeiros serão chacareiros.

No excelente livro de Heraclides Santa Helena,  pretérito e dito “intendente” de Quarai, “Onze Braças de Campo e Algumas Sobras”, a crônica do mesmo nome exemplifica bem o que foi comentado. Tendo na introdução ilustração melhor ainda, citando ditado que corre nos cerros de Caçapava do Sul:

“Avô barão, pai patrão, neto pião.”

Por seu perfil fundiário, Durasnal é um distrito densamente povoado, com atração atávica por política, exercida todo tempo, por tradição, gosto e competência de quem é do ramo. Outra característica local, loquacidade trouxe a eles o apelido de Maracanã, ave da família dos psitacídeos, que anda aos bandos e prima pelo alarido, como igualmente todos seus parentes.

Em política, atualmente são, na sua maioria, do PP – do Rio Grande do Sul, esclareço – pois deve ser ressaltada a grande diferença com aquele de outros estados, farinha de outro saco, aliás, aqui no Estado,  caso da maioria dos partidos.

Também antes militaram em partes iguais no PSD, UDN, PL, mais algum gato pingado no PTB. Depois de 1964,  entraram em massa na ARENA e PDS, como os dissidentes no MDB, atual PMDB.

No Durasnal, decidem-se as eleições “no” Alegrete, se a vantagem dos adversários, nos outros distritos e cidade, não é acima de 1.000 votos, “tá pelada a coruja”, pois a diferença pró PP é imutável. Isso tudo graças à ação político partidária de uma família, cujos atuais chefes, dão prosseguimento à liderança no passado, de um ancestral, Cel.Delfino Antunes da Silva.

No passado, ele, além de principal chefe “chimango”, também era a única autoridade policial, quando os problemas eram mínimos, pois se trata de um povo ordeiro e trabalhador. Mas, como diz velho ditado campeiro, numa tropa nunca falta um “boi corneta”, era morador local, notável dissidente, Aladim, ladrão militante e juramentado, pior ainda, incorrigível.

Diga-se a seu favor, fazia força para largar o mau vício, até pela ameaça da polícia, mas não conseguia, quando menos esperava, recaía e era chamado a se explicar pela lei. Por isso, de vez em quando era posto na “tronqueira”, rústica ancestral da cadeia, punição que não adiantava muito, pelas suas repetidas reincidências.

O Cel. Delfino, que tinha sob as suas ordens só um soldado “por enquanto”, entendendo que esse fato poderia se tornar péssimo exemplo resolveu, a par da prisão, mandar-lhe dar forte corretivo, cada vez que “perdesse a doma”.

O tempo foi passando e esse tratamento de choque mostrou-se ineficaz, Aladim estava ficando pior, com frequentes prisões, mau exemplo visto por todos. O Cel. Delfino, já cansado disso, na última detenção não usou de meias palavras, quando para assustá-lo, sentenciou secamente:

– Aladim, não aviso de novo, se não deixares de roubar, na próxima vez que for preso vou mandar te “pelá a chiba”, prá não deixar herança ruim.

O ameaçado, conhecendo bem o interlocutor e o perigo que corria, tentou parlamentar:

– Me desculpe Cel., o senhor tem toda razão, reconheço os erros, estou fazendo força, prometo por “esta luz que me alumia”, vou me regenerar.

O representante da ordem conhecendo bem os “bois com que lavrava”, reforçou a ordem:

– Está bem, mas é a última vez que aviso e, como sabes, não sou homem de duas palavras.

Aladim, mais animado pela punição não ser para já, sentindo alguma chance futura, resolveu esmiuçar a ameaça recebida, para melhor cumpri-la:

– Deixar de roubar eu deixo, cel., o senhor pode acreditar, mas, desculpe, esclareça-me: posso ir deixando “despacito” ou tem que ser de soco? *

* Este meu causo é antigo, mas atual pelo momento político do Brasil, pois pelo largo tempo que ocorrem desvios de verbas públicas, é até razoável concordar com a primeira parte da indagação do Aladim, em sendo considerada sincera, melhor que nada.

Luiz Odilon

​O alegretense Luiz Odilon é um excelente contador de histórias recheadas do saber campeiro. Já escreveu um livro maravilhoso, Causos do Alegrete, entre outros escritos dispersos ou, na minha definição, amontoados. No bom sentido. Conhece como poucos o nosso Alegrete e seus personagens. ​Tem 81 anos e, segundo suas palavras, fará 82 dia 29 de dezembro “se até lá não chover demais. Velho tá sempre por uma”.​

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