Eu, um genocida

7 jun • A Vida como ela foi1 comentário em Eu, um genocida

 Eu já criei uma arma de destruição em massa. Chamava-se Piks Knal, ou pelo menos essa era a pronúncia em alemão. E fui precoce, eu tinha menos de 9 anos. A criação do apocalipse aconteceu nos fundos da nossa primeira casa, em São Vendelino, onde o meu pai tinha uma “venda”, uma prensa de alfafa, trazida pelos colonos das redondezas e, depois, levada aos quartéis do Exército por um caminhão Ford F8, o máximo daquela época. Só perdia para um GM Marítimo, assim chamado porque o motor diesel era de dois tempos.

 Entre os fundos do galpão, a pocilga e o estábulo das vacas leiteiras havia um relvado com alguns arbustos de médio porte. Deles brotavam uma bolota verde que avermelhava à medida que amadurecia. Era a munição da minha arma, e o projetil não podia estar maduro para não dar chabu.

 A fabricação da arma requeria uma certa habilidade. Primeiro, eu tinha que ir ao bambuzal, perto do arroio, e serrar um bambu, que tinha que ter abertura dos dois lados. Escolhia uma pedra do arroio para lixar as pontas. Finda essa tarefa, dava um pulo no marceneiro da vila, o seu Augustin, e pedia a ele uma vareta com um calibre pouco menor que a parte oca da taquara. Na ponta, eu colava ou pregava um disco pequeno, o êmbolo para acionar o meu canhão Berta, o maior canhão do mundo à época.

 Então eu ia para a guerra. Na ponta da frente da taquara, eu empurrava uma bola verde com diâmetro pouco maior que a circunferência do cano. Ela custava a entrar, entalava na ponta, mas era essa a ideia. Pega a vareta com o disco de madeira bem justo com o cano e a empurrava com toda minha força. Na pressão, o ar comprimia e a bolota não tinha outra saída senão o de ir em frente com velocidade razoável. E fazia KNAL, estampido. Alcançava uns 20 metros, em dia de sorte, com a bolota certa. Confesso que nem sempre conseguia.

 Mas vocês não têm ideia de quantos inimigos matei com ela. Hoje, eu seria julgado pela Corte de Haia, tamanho o estrago. O teste inicial, quando construí o conjunto todo, requeria um alvo. Escolhi o meu professor do grupo escolar. E depois segui matando, milhares, centenas de milhares de soldados de tropas inimigas. Entre eles, uns dois ou três primos e sacanas da minha classe. Mas o professor não morria nunca.

 Acho que devido ao meu instinto bélico ele vivia me botando de castigo atrás do quadro negro.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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One Response to Eu, um genocida

  1. Luiz Domingues disse:

    Porque não incluir no currículo ; escritor ?
    Afinal de contas acho que já é hora dos “causos” de ” A VIDA COMO ELA FOI ” serem compilados em livro para uma edição na próxima Feira do Livro Porto Alegre.
    ” Também construí minha “arminha” na infância ; uma taquara e a munição eram bolinhas de “sinamomo”

    Abraços

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