Cretinices geniais
Naqueles tempos, como se lê na Bíblia, naqueles tempos dos anos 1960 íamos ao cinema ver filme cabeça sem pé nem cabeça no Cine Vogue, pouco antes da esquina com a Garibaldi. Era um cinema de bolso, como se chamava, pequeno e aconchegante. Filmes da nouvelle vague francesa, do Goddard e dos italianos como Antonioni passavam lá. Natural, não era muita gente que gostava de filme cabeça sem cabeça.
Mas a hipocrisia reinava. Sem entender bosta nenhuma, até porque só o diretor entendia, e às vezes nem ele, dizíamos na saída que o filme era uma merda, mas que o diretor era genial. Genial era mais empregado que a nível de dos anos 90. Sentava-se na mesa do bar e, em segundos, alguém dizia “genial!”. Folheava-se uma publicação hermética, de preferência, e lá vinha “genial!”. Ouvia-se qualquer um de esquerda criticar o capitalismo e se dizia “genial!”. Sentava no vaso e, minutos depois, olhava pra baixo e dizia: genial!
O bom do Vogue era o bar depois da sessão. Podia ser o Styllo, que falei ontem, ou poderia ser um lugar mais sofisticado e caro, como o Butikim mais adiante. Havia uma ala do Partidão (PCB) que tinha uma célula lá. Eram os riquinhos que, para afastar o tédio, viraram marxistas, mesmo que só tivessem lido a relha do “Das Kapital”.
As mulheres, universitárias especialmente, amarravam-se em comunas que criavam frases do tipo “teses ontológicas sobre Marx”. Se o cabra também tocasse violão, tiravam a roupa de primeira. Mas vou confessar uma coisa: com larga experiência na gandaia, na esbórnia e calaçaria, a maior parte das gurias das faculdades tinham conflitos sexuais e eram sexualmente inseguras.
Foi uma decepção. Não havia um Woodstock gaudério nem uma cidade chamada Bethel.