Como se dançava no Kerb (final)

23 ago • A Vida como ela foiNenhum comentário em Como se dançava no Kerb (final)

 Com a mufa (cabeça) cheia de ceva e coragem, o sujeito ia lá, pedia licença para os pais e pelo menos uma tia solteirona – quem não a tem na família? – e lá ia dançar uma “marca”. A tia desempenhava o papel de guarda da moral e dos bons costumes, nada de mão inocente pelo corpo da sobrinha, valha-nos bom Deus! Que escândalo ela armaria se fosse  mão na bunda. Só na anca e olhe lá. Dançar colado nem pensar, só depois do noivado. E assim o par rodopiava pelo salão com piso de tábuas de madeira. Um detalhe: os salões de baile não cobravam entrada. O lucro vinha da venda de bebidas e, assim que o cara entrava na pista de dança, um fiscal pregava um alfinete com alguma fitinha colorida a um custo razoável, que dava alforria para se dançar a noite inteira.

 Às vezes, dois amigos dançavam alternadamente, um passava o alfinete com a fitinha para o outro, mas, geralmente, o fiscal tinha olho de lince e a fitinha desvirginada acusava o golpe.

 Depois vinha o namoro de mãos dadas, e mesmo assim, se o pai desse o OK. A tia solteirona seguia cuidando a mão-boba do pretendente. Isso durava meses, visitas sempre aos domingos. Quando ele já era íntimo da família, eles podiam deixar de namorar na sala, com os pais, e seguir o curso da intimidade na cozinha, junto ao fogão de lenha quando fazia frio. Saia chispa, e não só do fogo que crepitava, se é que vocês me entendem.

 Contaram-me na casa de secos & molhados do meu tio Arno Selbach que uma moça que, em priscas eras, já fora virgem, acedia de bom grado quando alguém a guiava para algum canto do galpão da prensa de alfafa. Ela então escolhia um lugar mais fofo e se virava para o parceiro.

 – Pode me dirubá!

 De outra feita, um amigo de infância e agricultor de São Vendelino contou da sua enorme desilusão quando foi tirar uma rapariga para dançar. Corpulenta como lutadora de MMA, ela se abanava furiosamente com um leque, o ar condicionado da época. Ela até fez olhinho para meu amigo, mas o despachou de cara com a seguinte desculpa.

 – Opricada, eu não tanço. Se eu tanço eu soo, e se soo eu fedo.

 O desodorante ainda não tinha chegado por lá.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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