Banquetes bizarros & Domésticas apavoradas

24 abr • ArtigosNenhum comentário em Banquetes bizarros & Domésticas apavoradas

Davi Castiel Menda

Prefácio

Nesta fase de quarentena, em que os chef de cuisine passaram a ser nossos gurus, nada como recordar três secretárias que tivemos na década de 90. Bons tempos…
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Os hindus afirmam: Anam Brahma, a comida é divina. Assim, com profundo respeito, você come, e enquanto estiver comendo, esqueça de tudo, porque isso é uma prece, é uma grande arte: saborear a comida, sentir os aromas da comida, tocar a comida, mastigar a comida e digeri-la como alguma coisa divina.

Em casa sempre gostamos de comer bem: comida tibetana, chinesa, japonesa, grega, turca, francesa, alemã, italiana, espanhola, judia (kosher ou não), tailandesa, frutos do mar, árabe, e até o tradicional arroz-com-feijão bife e batatinha frita; enfim, tudo que é bom. Entretanto, não é o mais caro ou o mais gostoso que é o melhor – comer bem é comer aquilo que satisfaz aos olhos já que eles são o primeiro contato que temos com o alimento – só depois vem todo o resto: cheiro, paladar, toque, satisfação.

Mas, falando em comida, lembrei-me de uma secretária que trabalhava em nossa casa, dona Clara, que tinha excessiva curiosidade em conhecer tudo sobre culinária e que, pela sua ingenuidade, literalmente fugiu do emprego, apavorada, pelos pratos bizarros – segundo a sua ótica – que seus patrões, no caso eu e minha mulher, ingeriam!

Ato primeiro: você já ouviu falar em halwa? É um doce árabe, em formato de pasta, feito com nozes, óleo de gergelim e outras iguarias – é uma loucura! Conta a lenda que o meu tio-avô Salvador adorava halwa (era um petisco caro e difícil de conseguir no Brasil na década de 30 – quase um século atrás), e descobriu que a doméstica que trabalhava em sua casa avançava no tal doce mais do que devia. Solução: estando a moça por perto, abriu a lata e exclamou: “- Alguém está usando o meu remédio para calos!” Foi o que bastou para que nunca mais a mocinha sequer olhasse para o cobiçado doce. Aproveitando a sábia experiência do meu tio, usei do mesmo artifício em casa, até o dia em que a dona Clara nos viu, espantada, saboreando o halwa, que eu mesmo afirmara ser um remédio para calos!

Ato segundo: bem próximo de onde morávamos, estava localizado o famosíssimo Bar Arthur, sendo uma das suas especialidades o “sanduíche a tartar”, ou seja, pão e carne crua, devida e convenientemente temperada. Certo dia, ao invés de comer no barzinho, levei o sanduíche para casa e, a dona Clara, ao tomar conhecimento dos ingredientes, passou a chamar-nos de canibais (!). Presumo que ela quisesse nos taxar de omófagos – procure no dicionário –  mas achei conveniente e menos esclarecedor deixar por canibais mesmo, vai que ela confunde com hematófago…

Terceiro e último ato: pouco tempo depois desses curiosíssimos acontecimentos culinários, recebemos de presente uma caixinha de tâmaras. A bem da verdade, para quem não conhece, caso da dona Clara, de longe, uma tâmara tem o mesmo aspecto achatado e oval, tamanho e cor de conhecido ortóptero onívoro (eufemismo para barata), e ela, ao perguntar o que estávamos comendo, e já se antecipando com um gesto de repugnância, recebeu, como resposta, exatamente o que ela estava imaginando. Foi a gota que faltava para que apresentasse sua demissão imediata, em caráter irrevogável e irretratável.

Desconheço se dona Clara era fofoqueira, mas depois da sua saída, os moradores do nosso prédio – e principalmente as domésticas – coincidência ou não, ao passar por nós, procuravam manter uma certa distância respeitosa…

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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