As memórias do chá preto

19 jul • A Vida como ela foiNenhum comentário em As memórias do chá preto

 O que é a memória gustativa e olfativa. Ontem tomei chá preto, pela primeira vez em muitos anos. Num átimo de segundo, fui transportado para nossa casa em São Vendelino, no final dos anos 1940. Foi além, revi as cenas de todas as noites. Na hora do jantar, alemão costuma ou costumava tomar café com pães e cucas. O café era muito caro, então minha mãe servia chá preto. E bem nesse horário, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro transmitia em ondas curtas a radionovela Aventuras do Capitão Atlas.

 Ouvi o som da Nacional indo e vindo, às vezes inaudível, eu e meu irmão Paulo Cristiano ouvidos colados no aparelho para não perder nada e confiantes que a bateria não iria arriar. Nas noites de lua cheia, víamos uma nesga do arroio Forromeco. Senti de novo o cheiro e gosto do chá preto daqueles tempos. Lembrei do pão com schmier de cana de açúcar, e por cima o queijo quark. Minha mãe fazia um doce que nunca mais ouvi falar e que, se sobrasse, encerrava com chave de ouro meu lanche noturno. Chama-se dampf nudel, uma bolota de massa no vapor acrescido de creme de baunilha ou com creme de uva como se fosse sagu mas sem o sagu, a fécula de mandioca. A massa ficava bem fofa e o creme entranhava nela.

 Ao que eu lembre, ninguém mais sabia fazer aquela sobremesa deliciosa, cuja receita veio com meu pai da Alemanha, onde nasceu. Era da minha avó paterna, que nunca conheci. Nem ela, nem meu avô Remigius. Sou parecido com ele, pelo menos na foto do santinho fúnebre que a família mandava fazer e distribuía aos parentes e amigos. Muito triste isso.

 Na mesma revoada de memória trazida e turbinada polo cheio do chá preto que pedi na Cafeteria À Brasileira, na rua Uruguai, Porto Alegre, uma parte preciosa dos meus cinco ou seis anos emergiu com força, glória e saudade. Especialmente esta última.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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