A volta do Casca Grossa

17 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em A volta do Casca Grossa

Uma das coisas mais impressionantes desta nossa vida curta e grossa é quando existem amarras de amor e ódio, siameses que se repelem mas são condenados a viver assim até a morte. Nestes casos, e apenas nestes, nem mesmo quando a fome bate à porta o amor pula a janela.

Um amigo mineiro que conheci em São Paulo nos anos 70, nem sei que fim levou, o Ivan Carvalho Simões, me contou a história do Casca Grossa no bar Rubayat, perto da Consolação. Casca era o dono de um daqueles circos mambembes que se apresentavam nas pequenas cidades do interior das Minas Gerais, no caso. Lona de caminhão, luz do gato no poste, um leão desdentado, um palhaço com uma bolinha de pingue-pongue no nariz pintada com o esmalte de unha da patroa, e uma mulher barbuda com barba postiça. Que era a sua mulher e também a cozinheira do circo. Era tudo o que a casa oferecia.

Casca Grossa era o factótum do circo. Falava o “distinto público” na abertura, estalava o chicote num pangaré que nas horas vagas tracionava a carroça do circo, e jogava facas na mulher barbuda sem a barba amarrada numa mesa posta na vertical. Os pulsos dela eram cheios de cicatrizes.

Um dia, o Casca Grossa sumiu, abandonando a fiel parceira. Levou a lona, a carroça, o leão banguela, o mico leão dourado, todo o circo, inclusive as panelas e alguns quilos de feijão. Ela acordou só, desarvorada, confusa, perdida, sem dinheiro. Condoídos, os moradores arrumaram para ela um emprego de cozinheira no abrigo das freiras, só pela cama e comida.

Passaram-se anos e anos, e vez por outra alguém se solidarizava com sua desgraça causada pelo filho da puta. Ela sorria, destampava e voltava a tampar a panela fumegante, voltava-se para a pessoa e dizia sempre uma única frase proferida com impressionante convicção.

– O Casca Grossa é assim mesmo. Ele vai, mas vorta.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »