A tortura do Joní
Transferido para uma grande cidade do interior gaúcho, funcionário público graduado teve que enfrentar mudanças de comportamento inesperadas. Pela exposição do cargo, explicou-lhe o Chefe, ele teria que mudar completamente certos hábitos, como beber uísque antes do meio-dia, coisa comum nos anos deste caso, 1970.
– Não me leva a mal, mas você tem uma sólida reputação de enxugar bem, muito bem. De maneira que se dê uma folga ao fígado. Em alguns anos, você se aposenta.
Era embaraçoso. Veio mais:
– Evite o Café Comercial e o Café Central, porque são devassados. Evite até tomar guaraná, para que não digam que é uísque caubói. E gelo no copo de água mineral, jamais! Vão dizer que é vodca.
Anos mais tarde, já aposentado, ele contou as terríveis provações que passou naquela bosta de cidade de fofoqueiros para a comovida Mesa Um do bar do Hotel Lido, no Centro de Porto Alegre. Contou até que bebia Coca-Cola da garrafa, para que não dissessem que era Cuba Libre.
– Mas o pior não era isso. O meu assessor, funcionário de carreira, era um homem rico. Há anos havia herdado uma légua de campo, trabalhava por trabalhar, gostava do que fazia. Baixinho, bigodinho fino, cabelo pintado de preto zulu.
Tomou um longo gole do repelente Drury’s.
– O cara era um gambá PhD, summa cum laude. Para ele, querosene Jacaré era bebida de mulher. Abria a repartição e, em seguida, ia ao bar do lado. Não estava nem aí para o falatório, e tomava (soluço) sabem o quê?
– Nããão!
– Johnny Walker. O preto! Mas o pior não foi isso…
Os olhos da turma brilhavam. Uísque do bom era caríssimo naqueles tempos.
-…o pior é que, quando eu saía do prédio para almoçar, ele levantava a garrafa de uísque, sacudia o copo com gelo com som de cascavel e gritava “Ô, meu chefe, vai um Joní?”. Assim mesmo, J-O-N-Í, com acento no i, o nojento!
A roda sacudiu a cabeça, solidária. Que vida triste a que ele teve. Mesmo o insensível Ariel enxugou uma furtiva lágrima de solidariedade.