A sogra do taxista

29 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em A sogra do taxista

Imagem do interior de um táxi antigo

Anos 70, auge da invasão dos argentinos no Rio Grande do Sul. Fim de tarde. Um jornalista entra num táxi no ponto da Borges de Medeiros rumo à redação de Zero Hora. Duas hermanas de meia-idade disparam graçolas em cima dele assim que ele entra.

– Mira, que guapo!

O motorista ri. Baixa a bandeira e segue rumo à avenida Júlio de Castilhos.

– Tá com tudo, meu irmão! Uma coroa tem lá seu valor, não tem?

O jornalista não estava a fim de papo. Mas o taxista, sim. Loquaz como apresentador de programa de auditório, desandou a falar. E começou a contar um caso. Mudou a cara de risonha para séria.

– Esse negócio de coroa dando em cima da gente….fiquei pensando na minha sogra. Olha, cara, eu estou casado há 15 anos, moro com meus sogros e nunca vi essa mulher com um vestido curto, roupa decotada, pintada, jóias, perfume, nada. Nem as unhas ela pinta, sabe? E pra feia não serve. Nunca olhou nem para o vizinho, o que dirá dar trela. Não vai a baile, reunião-dançante. Nem em festa da igreja ela vai, imagina.

O táxi pára na primeira sinaleira. O trânsito está pesado.

– Aí, meu chapa, no domingo passado aconteceu um negócio esquisito. De manhã cedo, ela saiu cedo dizendo que ia visitar uma amiga de infância. Quase caí de costas quando a vi: de vestido curto, floreado, pintada, perfumada…

O carro entra na Júlio de Castilhos. Outro sinal fechado.

– Bom, minha sogra recusou uma carona, dizendo que ia de ônibus. E meu sogro com aquela cara de quem ouviu no rádio a descida de um disco voador. Nem piou. E ela se foi porta afora. Veio a hora do almoço e nada dela aparecer; duas da tarde, e nada; cinco horas, e nada. Tipo sete horas da noite, meu sogro me chamou, preocupado. Quem sabe ela se acidentou? Dá uma geral no Pronto Socorro, Delegacia de Trânsito….

Segunda sinaleira fechada.

– …aí eu me fui. Não tinha registro no HPS, nem no Trânsito. E já passava das dez horas. Voltei pra casa. A essa altura, o meu sogro estava quase enfartando.

Quarta sinaleira fechada.

– Aí aconteceu uma coisa esquisita, cara. Quando eu ia saindo para registrar queixa de pessoa desaparecida, ela entrou. Sem pintura na cara, despenteada, vestido meio amarrotado, com uma ar de felicidade que nunca vi nessa mulher. Foi direto pro quarto alegando cansaço. Não deu uma palavra.

O sinal abre e o motorista não arranca. Olha para lugar nenhum. Atrás dele começou uma sinfonia de buzinadas. Aí ele se vira para o passageiro.

– O que tu acha? Será que essa velha botou um chapéu de vaca no meu sogro?

O jornalista pensou, pensou, e resolveu dizer a dura verdade, até porque, aquela altura, o engarrafamento atrás do táxi se estendia por duas quadras.

– Olha… eu acho que sim. Sim. Com toda a certeza, sim. Não tem outra explicação.

– Pois agora é que eu me dei conta. Só pode ser isso – arrematou o genro. Minha sogra, quem diria…puta que o pariu!

E só então engrenou a primeira e se foi. Mudo. E preocupado. Muito preocupado.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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