A arte de esquecer
Alto funcionário de uma emissora de televisão, casado não fazia muito, terminou o seu expediente e saiu a serviço. A serviço da paixão. Sofria de uma doença incurável, que se fosse modalidade olímpica lhe daria ouro: pular cerca. Uma amiga de outra amiga estava a dirigir-lhe olhares travessos há muito tempo, então nessa noite ele ficou de ensinar para a belezoca como se abre a rolha de champanhe, na casa dela. Nem se deu ao trabalho de telefonar para casa, não pretendia entrar noite adentro.
Acordou no outro dia na cama da percanta, com um bafo de bebida que se sentia a mais de légua. Entrou em pânico. Sentou na beira da cama. E agora, o que vou dizer em casa? Matutou, matutou, e fiat lux!
Pegou seu flamante Corcel II e se mandou para São Leopoldo. Estacionou defronte a uma praça, sol a pino, sentou num banco e esperou passar um casal bem-vestido e com cara de gente séria. Quando o casal passou na frente dele, ele fez uma cara de quem estava muito confuso e disparou:
– Onde estou, meu Deus, onde estou? Como é meu nome, alguém sabe quem eu sou?