A prótese da traíra
Capataz de estância no Alegrete, seu Pacheco era grande contador de causos, e os relatava com a mais absoluta cara de pau. Certa noite chuvosa, estávamos no galpão à beira do fogo e comendo peixe de rio frito. O menu abriu seu depósito de causos.
– O senhor sabe, há muitos anos, no tempo do Major Pedrinho, havia um açude no mato do fundo que dava muito peixe igual a esses que estamos comendo.
Lá vem, pensei. E veio.
– Um dia peguei o caniço, botei uma minhoca suculenta no anzol e lancei a linha. O doutor não vai acreditar, mas juro que é verdade! Na saída, peguei uma traíra de quase meio metro! E sabe da maior?
Respirou fundo.
– Quando tirei o anzol da boca dela, vi que ela tinha um pivô! Pivô igual ao que os dentista botam na gente. E sabe o que mais? Era de ouro! A la pucha seu, devolvi ela pro açude.
Me engasguei.
– E tem mais, doutor. Nem dois meis depois fui de novo ao açude, botei minhoca boa no anzol e em seguida uma traíra mordeu a isca. Quando tirei o facão pra matar a danada, ela abriu um bocão.
– Seu Pacheco, por favor não me mate! Eu sou a dentista da outra!
Tinha parado de chover, e nem me dei conta. Fui dormir. Sono sem pesadelos de traíra com pivô de ouro, se querem saber.