A noite que deu errado

22 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em A noite que deu errado

Benito foi da velha guarda do Restaurante Dona Maria quando morreu em 2007, com 81 anos. Antes ele fora velha guarda de quase tudo em Porto Alegre, do Jockey Club – foi colunista de turfe do Correio do Povo antigo. Todo mundo conheceu o Benito algum dia. Era uma cigarra que zombava das formigas. Colecionava histórias fantásticas, namorou a dona do Gruta Azul quando a casa estava no auge. Ela era dona de um dos três únicos Mercedes Benz esporte de dois lugares, top de linha no RS. Grande praça.

Ele gostava de ilustrar a volubilidade das mulheres com um causo ocorrido no Farolito, um bar-danceteria que existia na década de 50, na Rua da Praia, depois da Caldas Júnior. Benito estava de olho numa mulher sentada a uma mesa com uma amiga, bebendo Cuba Libre. Rum com Coca-Cola, para os novatos. Não que ela estivesse fazendo olhinho para ele, mas quem não arrisca não petisca. Foi tirá-la para dançar.

– Mas nem pensar!

Ora, isso foi um insulto para quem já tinha seduzido centenas de mulheres. Irritado, e para não passar vexame perante a plateia, o galã convidou a amiga sentada com ela. Outra cara fechada. Benito achou que uma segunda recusa já era demais. Insistiu. Com seu nariz de boxeador, imprimia algum temor. Aliás, tinha fama de durão. Mas era puro boato.

Relutante, ela concordou em rodopiar na exígua pista de danças do Farolito. A cara estava muito amarrada. Nosso herói tentou puxar uma conversa para ver se dava chance de ir aos finalmentes.

– Quer dizer que além de dançar eu ainda tenho que conversar?

Eram outros tempos, aqueles anos 1950. O politicamente incorreto reinava. Pelo menos neste tipo de casa, não se admitia mulher dizer não ou fazer beicinho, ainda mais no Farolito. Quer dizer, até podia, mas era um risco.

Benito então achou que era muita coisa. Levantou a mão, como se fosse dar uma bofetada. Ficou assim por dois ou três segundos, então a força da gravidade baixou seu braço. Achou que era muita coisa matar barata com tiro de canhão. Voltou ao bar.

O que aconteceu depois foi um milagre. A amiga dela, a que havia recusado dançar com o Benito, passou a lhe dardejar demorados e lascivos olhares. E agora essa! Foi em cima, ainda irritado.

– Como é, antes não queria, agora quer?

– Agora que vi teu lance, quero dizer que me amarro numa porrada – suspirou.

Nelson Rodrigues tinha razão.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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