A minha praia morreu
Isso que você vê não existe mais. O velho Hotel Siri foi demolido para dar lugar a um desses monstrengos que mudam todo microclima de Tramandaí, detalhe que, evidentemente, as autoridades municipais ignoram. Prédios altos a beira-mar e até a pelo menos duas quadras da orla deveriam ser proibidos. Tramandaí, podem crer, ainda vai ser uma Camboriú. O prédio atrás do hotel é um dos mais antigos do Litoral (anos 1940), o Condomínio Edifício Tramandaí. Cheguei a morar nele. Cercado de dunas.
De qualquer forma a minha velha e querida Tramandaí desapareceu. O que restou está conservado em formol. Há coisa de dois ou três anos, quando fecharam a Branquinha, na rua principal, disse cá com meus botões que a antiga Capital das Praias foi para o beleléu. As noites com o coaxar dos sapos com seu nénhénhém beeem lento era pura música.
Até meados dos anos 1980, quando me mudei, tudo era mais calmo. O Simona, que vendia latas de cerveja, tinha clientes fiéis e cobrava a conta de tarde nas casas. O Restaurante Panorama foi demolido também, resta só o Bar Gaivota, o sobrevivente. As rodas no bar do Pedrinho, gente que só se via durante o veraneio, geraram amizades sólidas mesmo quando março chegava e todos iam embora.
Minhas mais antigas lembranças quando tinha 10 anos: sorvete italiano cremoso, cheiro de espiral Boa Noite para espantar mosquitos, bolinhos de chuva e dias jogando carta ou dominó quando chovia, os laguinhos nas dunas, o cheiro da maresia que se sentia bem antes da entrada da cidade.
Também foi meu primeiro amor, quando tinha 11 ou 12 anos. Eu a secava, ela me secava entre a cabana do meu pai e a dos pais dela no falecido Hotel Gaúcho. Devido à minha timidez, nunca passou disso. Chorei quando ela foi embora. Já nos meus 20 anos a vi em um baile de Carnaval. Era de São Sebastião do Caí. Não me reconheceu.
Foi a segunda punhalada no meu coração.
Nem o Gaivota sobreviveu. Desmancharam tudo. Maior pecado. Nem as árvores eles deixaram.