A madrugada dos mortos

18 fev • A Vida como ela foi1 comentário em A madrugada dos mortos

Como vocês devem saber, um ônibus da empresa Guaíba caiu de bico na ponte sobre o rio Jacuí, em Eldorado do Sul. Felizmente, estava quase vazio, houve um sobrevivente – o motorista morreu. Em dezembro de 1968, quando eu era repórter, também cobri uma queda de ônibus, na ponte do Saco da Alemoa sobre o Guaíba. Contei o caso em 2011. Leiam até o final, tem Epílogo:

Todos conhecem a expressão “No creo em brujas, mas que las hay, las hay”. Meu caso. Em dezembro de 1968, era repórter do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, então pertencente a Ary de Carvalho e cuja redação ficava na rua Sete de Setembro. Era madrugada plantão de final de semana – da meia-noite de sexta até meio-dia de sábado. Sexta para sábado sempre era infernal, acidentes, homicídios etc.

Antes mesmo da minha hora, dei uma geral nas delegacias, HPS, bombeiros e o chamado Plantão, no Palácio da Polícia. Nada. Nem acidentes, nem tiros, nem brigas, nem esfaqueados, até os acidentes de trânsito mais sérios não deram as caras.

O meu fotógrafo era o Sérgio Arnoud. Fomos direto para o Plantão da Polícia Judiciária (DPJ). O delegado chamava-se Neyder Madruga Duarte, gente fina. Fui para a sala do rádio, e confirmei: nada.

Tudo calmo, o delegado Madruga me convidou para acompanhar uma diligência no bairro Camaquã. Caso acontecesse algo mais grave, saberíamos pela rádio da viatura. A diligência deu em nada e então fomos jantar numa mãe-de-santo, amiga do Madruga, galinhada. Ao final, tipo duas da matina, a mãe-de-santo me apontou o dedo.

– Hoje não vais ter trabalho nenhum, mas de manhã vais ter muito, mas muito trabalho mesmo, coisa muito triste!

Reconheci a firma e guardei numa gaveta da memória. Fomos todos embora e durante o resto da madrugada tudo ficou total e absolutamente calmo, zero ocorrências. Então às seis da manhã daquele sábado, dia 7 de dezembro de 1968, voltei para a redação. O Arnoud foi tirar um cochilo no cubículo da fotografia.

Uma hora e meia depois toca o telefone.

– É da reportagem? É o seguinte: eu vinha de Guaíba e na ponte do Saco da Alemoa passei por um caminhão tombadeira parado, em pane. Um pouco adiante olhei pelo retrovisor e achei que um ônibus bateu na traseira dele, não tenho bem certeza.

Liguei para a Delegacia de Acidentes, Plantão, Bombeiros, posto da Polícia Rodoviária Federal, ninguém sabia de nada. Esperei um tempo, chequei de novo. Nada. Então, como bom CDF, acordei o Sérgio. Como nesta hora não tinha viatura da ZH, chamei um táxi, um DKW, corrida paga com meu dinheiro (e nunca foi reembolsado)  e me toquei para a terceira ponte do Guaíba. Logo que eu passei o vão móvel, a ponte foi fechada para o trânsito por várias horas.

Quando chegamos no local, alguns passageiros sobreviventes choravam na cabeceira da ponte, ainda molhados – o Arnoud ganhou um Prêmio ARI pela foto. Dois pescadores que moravam perto salvaram alguns que conseguiram sair do coletivo.  Tive muito trabalho mesmo, coisa muito triste. Um ônibus do instituto veterinário Desidério Finamor, de Guaíba, tinha se chocado com a traseira do caminhão e depois mergulhou no rio.

Vinte e um mortos.

Epílogo

Anos mais tarde, por volta de 1974, os jornais de Porto Alegre registraram a prisão de dois pescadores, que há anos furtavam vítimas de acidentes de trânsito naquele trecho da BR-290. Com eles, a Polícia achou documentos e pertences de mortos do acidente com o ônibus do Instituto Desidério Finamor.

Fiquei embasbacado. Até hoje.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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One Response to A madrugada dos mortos

  1. Jonathas fortes disse:

    Praticamente vi o acidente, pois naquela época, namorava uma garota que residia em Guaiba, e costuma ir aos fins de semana para lá. Realmente foi muito triste. Várias pessoas morreram, a Ponte virou um caos, só não morreu mais gente graças aos pescadores que conseguiram salvar várias pessoas.

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