A língua do Cachorrão
O irmão marista Cachorrão fazia jus ao apelido. Parecia um daqueles buldogues falantes velhos de desenho animado. O queixo era duplo, a papada rendia-se à lei da gravidade. A gordura acumulada nas bochechas breve chegaria aos ombros em um período não muito longo. Compreensivelmente, tinha um mau humor ciclópico.
Com a idade, Cachorrão foi encarregado da livraria como chamavam os internos do Colégio São Jacó, bairro Hamburgo Velho de Novo Hamburgo, hoje Feevale. Vendia lápis, cadernos, canetas, grampos, essas coisas que se usa para estudar. Mas não me lembro de ter visto prateleiras. Um dia visito a Livraria para comprar um caderno.
– Como?
Velho, desbotado, em processo de derretimento geral, e surdo. Ô vida difícil essa dos 16 anos. Elevou o volume da voz, já alta provavelmente desque que nasceu.
– Um caderno
– Como?
– Um caderno, irmão Ca…pelo amor de Deus, um ca-der-no!
– Como? A voz veio tonitruante como a do Senhor entregando os 10 Inúteis Mandamentos a Moisés.
Não perdoei. Falei baixo, mas falei.
– Cachorrão e surdinho ainda por cima.
– COMUM, eu estou perguntando, seu moleque desaforado! COMUM ou com linhas, ó irritante e imberbe!
Onde foi que eu errei, querido Padre Reus? E onde estás numa hora dessas?