A língua do Cachorrão

26 jan • A Vida como ela foiNenhum comentário em A língua do Cachorrão

O irmão marista Cachorrão fazia jus ao apelido. Parecia um daqueles buldogues falantes velhos de desenho animado. O queixo era duplo, a papada rendia-se à lei da gravidade. A gordura acumulada nas bochechas breve chegaria aos ombros em um período não muito longo. Compreensivelmente, tinha um mau humor ciclópico.

Com a idade, Cachorrão foi encarregado da livraria como chamavam os internos do Colégio São Jacó, bairro Hamburgo Velho de Novo Hamburgo, hoje Feevale. Vendia lápis, cadernos, canetas, grampos, essas coisas que se usa para estudar. Mas não me lembro de ter visto prateleiras. Um dia visito a Livraria para comprar um caderno.

– Como?

Velho, desbotado, em processo de derretimento geral, e surdo. Ô vida difícil essa dos 16 anos. Elevou o volume da voz, já alta provavelmente desque que nasceu.

– Um caderno

– Como?

– Um caderno, irmão Ca…pelo amor de Deus, um ca-der-no!

– Como? A voz veio tonitruante como a do Senhor entregando os 10 Inúteis Mandamentos a Moisés.

Não perdoei. Falei baixo, mas falei.

– Cachorrão e surdinho ainda por cima.

– COMUM, eu estou perguntando, seu moleque desaforado! COMUM ou com linhas, ó irritante e imberbe!

Onde foi que eu errei, querido Padre Reus? E onde estás numa hora dessas?

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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