A desconhecida   

9 ago • A Vida como ela foiNenhum comentário em A desconhecida   

Amor é o que acontece entre um homem e uma mulher que não se conhecem muito bem. A frase é do – para mim – maior contista da Inglaterra, W. Somerset Maugham, aqui mais conhecido pelo livro que deu origem ao filme com mesmo título “O fio da navalha”. Seu texto é soberbo e seu conhecimento da alma humana melhor ainda. Mas esta frase em particular me acompanha há décadas. Se eu fosse dos caras que vivem pedindo reflexo, eu diria que ela merece uma profunda reflexão. É isso que acontece em boa parte dos casórios.

 Se o dito do inglês já me impressionava desde que li suas obras, fiquei mais impressionado ainda quando ela foi reforçada numa noite do início dos anos 1970, tendo como palco um ignominioso pé-sujo na avenida Ceará, que nem placa com nome tinha. Lembro que era confraternização entre repórteres. Não esqueço o autor da fala, um bom vivant decadente e quase sem fundos, a ponto de frequentar um boteco de classe média baixa.

Comemos uma galinhada preparada por ele, cujo apelido era Cambalache, parte do títulos e um tango Signo. Era divertido, mas as notas de amargor embrulhavam seus chistes. A certa altura, falamos de amores ganhos, amores perdidos, amores impossíveis, amores trágicos. Como vi que Cambalache (*) usava uma grossa aliança, perguntei a ele como classificaria seu casamento, e quando a conheceu.

– Marina? Não a conheço. A mulher por quem me apaixonei não existe mais.

Levou o copo de cerveja à boca.

– Quando acordo, olho para o lado e me pergunto quem diabos será ela?

 (*)

 A letra do tango, composto em 1934 por Enrique Santos Discépolo é maravilhosa. E mais atual que nunca. Confira.

 El mundo fue y sera una porquería

ya lo se

En el quinientos seis

y en el dos mil también

Que siempre ha habido chorros

maquiavelos y estafaos

contentos y amargaos

valores y duble

Pero que el siglo veinte

es un despliegue

de maldad insolente

ya no hay quien lo niegue

Vivimos revolcaos

en un merengue

y en un mismo lodo

todos manoseados

Hoy resulta que es lo mismo

ser derecho que traidor

Ignorante sabio o chorro

generoso o estafador

Todo es igual

nada es mejor

lo mismo un burro

que un gran profesor

No hay aplazaos

ni escalafon

los inmorales

nos han igualao.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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