A desconhecida 

10 jun • A Vida como ela foiNenhum comentário em A desconhecida 

Amor é o que acontece entre um homem e uma mulher que não se conhecem muito bem. A frase é do – para mim – maior contista da Inglaterra, W. Somerset Maugham, aqui mais conhecido pelo livro que deu origem ao filme com o mesmo título “O fio da navalha”. Seu texto é soberbo e seu conhecimento da alma humana melhor ainda. Mas esta frase em particular me acompanha há décadas. Se eu fosse dos caras que vivem pedindo reflexo, eu diria que ela merece uma profunda reflexão. É isso que acontece em boa parte dos casórios.

Se o dito do inglês já me impressionava desde que li suas obras, fiquei mais impressionado ainda quando ela foi reforçada numa noite do início dos anos 1970, tendo como palco um ignominioso pé-sujo na avenida Ceará, que nem placa com nome tinha. Lembro que era confraternização entre repórteres. Não esqueço o autor da fala, um bom vivant decadente e quase sem fundos. Nem frente.

Comemos uma galinhada preparada por ele, cujo apelido era Cambalache, parte dos títulos e um tango (Signo Veinte Cambalache). Era divertido, mas as notas de amargor embrulhavam seus chistes. A certa altura falamos de amores ganhos, amores perdidos, amores impossíveis, amores trágicos. Como vi que Cambalache (*) usava uma grossa aliança, perguntei a ele como classificaria seu casamento, e quando a conheceu.

– Marina? Não a conheço. A mulher por quem me apaixonei não existe mais.

Levou o copo de cerveja à boca.

– Quando acordo olho para o lado e me pergunto quem diabos é ela?

A letra do tango, composto em 1934 por Enrique Santos Discépolo é maravilhosa. E mais atual que nunca. Confira a letra e a música cantada por Carlos Gardel clicando aqui. 
Que el mundo fue y será
Una porquería, ya lo sé
En el quinientos seis
Y en el dos mil, también
Que siempre ha habido chorros
Maquiavelos y estafaos
Contentos y amargaos
Varones y dublés
Pero que el siglo veinte
Es un despliegue
De maldá insolente
Ya no hay quien lo niegue
Vivimos revolcaos en un merengue
Y en el mismo lodo
Todos manoseaos
Hoy resulta que es lo mismo
Ser derecho que traidor
Ignorante, sabio, chorro
Generoso o estafador
¡Todo es igual!
¡Nada es mejor!
Lo mismo un burro
Que un gran profesor
No hay aplazaos ni escalafón
Los ignorantes nos han igualao
Si uno vive en la impostura
Y otro roba en su ambición
Da lo mismo que sea cura
Colchonero, Rey de Bastos
Caradura o polizón
¡Qué falta de respeto
Qué atropello a la razón!
Cualquiera es un señor
Cualquiera es

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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