Champanhe para a orquestra

15 mar • A Vida como ela foiNenhum comentário em Champanhe para a orquestra

 A alma da instituição bar chope das décadas 60 e 70 era o garçom. Quando a casa tinha mais de um, a alma se dividia como células ou colônias de bactérias. Quando era um só, e bom, então ela se materializava no cara de camisa branca e calça preta e bandeja de alumínio que já carregou um oceano de chopes. Os ruins eram como gárgulas nos prédios antigos, a vida toda fazendo cara feia.

 Conheci tantos, nossa! Mas um em particular merecia uma espécie de prêmio, o Ocrinho, garçom do Chalé da Praça XV. Puxa o banco para ouvir essa bem sentado: o apelido era  Ocrinho porque usava óculos sem uma lente. Não de vez em quando, sempre. A tese da roda era que ele vivia sempre em situação de bomba, então não se dava conta da perda.

 Naqueles tempos, como diz a Bíblia, o sindicato dos bares e restaurantes chegou a criar um concurso para escolher o Melhor Garçom de Porto Alegre, então pensei em criar um concurso que escolhesse o Pior Garçom de Porto Alegre. Felizmente para eles, alguém derrubou chope na pilha de bolachas de chope onde escrevi a minuta do regulamento. Desastre. Algo como a versão molhada do incêndio da Biblioteca de Alexandria.

 Logo que arranchei de vez em Porto Alegre, na rua Barros Cassal, libávamos muito no Bob’s, do seu Roberto, um pequeno bar na Cristóvão Colombo 36, o melhor croquete de peixe e melhor torrada que comi na minha vida, categoria “Como esses nunca mais”. Vendia cigarros americanos, giletes inglesas e desodorantes franceses aos fregueses. Saía do sério quando eu o chamava de “Creso em Cruz Ave Maria”. Logo ele, que carregava o nome do poderoso rei da Lídia na Grécia antiga vendendo bagulho.

 Na década de 70, o Bob’s fechou de vez e deu lugar à boate do Isidoro. Certa noite, um grupo saiu do Chalé da Praça XV e aproou o Isidoro. Quando o porteiro abriu a porta, uma bela música ao vivo flutuou para a rua. Empolgado e já bem alto, da altura do Everest, digamos, o Sérgio Durão gritou alto em bom som:

 – Champanhe para a orquestra!

 Fez uma baita economia. A “orquestra” era apenas um cantor e seu violão.

 Já não era nem o caso de visão dupla, era visão múltipla.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »