Limpadores de peixe
Já fui bancário, vocês sabem, e cheguei a um bom posto hierárquico que me catapultaria para a gerência de alguma filial mais dia menos dia. Não era minha praia, o jornalismo já estava na minha alça de mira. O Banco da Província tinha sede na esquina das ruas Sete de Setembro e Uruguai, hoje Santander ou HSBC. Era o segundo mais antigo do Brasil, fundado em 1858. Para comemorar o cenário, construíram um prédio moderno, primeira escada rolante do estado, primeiro a ter ar condicionado central, todo em mármore de Carrara, vidros de cristal belga caríssimo.
No início, eu era peão. Trabalhava no setor de cobrança, na sobreloja, onde ainda se observam janelões de vidro. Eram dezenas de caixas encostadas umas nas outras contendo duplicatas e promissórias, identificadas por um impresso grampeado nelas. Este setor era chamado de Arrancada, porque nós buscávamos o documento arrancando o grampo para encaminhá-lo para os operadores que contabilizavam valor, juros etc.
Então vejam só a ironia. Todo esse luxo dependia de remadores de galés pagos para arrancar grampos de duplicatas. Por isso, trabalhar na Arrancada era mais ou menos como ser o gari ou o cara que limpa o peixe nas bancas de pescado.