Tentou se reeleger
Um vereador com milhares de sóis na cacunda da atividade parlamentar tentou a sorte, mais uma vez, no pleito do ano passado. Ciente de que não era fácil a reeleição, disparou até cartas manuscritas para amigos do Interior, mas com título na cidade. Ao longo dos anos, ele sempre passou chispando no vestibular da urna, mas desta vez não deu. E não deu mesmo, tipo ficar na oitava suplência.
Passado algum tempo, reencontrou um amigo que morava em cidade do Litoral há décadas, amigo a quem ele escreveu uma carta pedindo seu voto. Sem saber do desastre eleitoral do chapa, tão logo o demorado abraço foi desfeito, foi aos finalmentes.
– Como é, conseguiste te reeleger?
Encabulado, tartamudeou algumas palavras não muito audíveis, mas que significavam “não”, em suma. O fiel eleitor, homem de rígidos princípios morais e do tempo do fio do bigode, botou uma mão em concha no ouvido.
– Como é que é? Não entendi.
Desta vez o “não” veio alto e claro como leiloeiro dizendo “dou-lhe três!”.
– Quantos votos?
– Bom, né, foram…mil e uns quebrados. Mas foram votos honestos.
– Quantos quebrados?
– Três.
Ao ouvir a infausta contabilidade, o litorâneo baixou a cabeça em forma de desolação. Os olhos ficaram ligeiramente úmidos, mas os leves traços de futuras lágrimas se evaporaram antes de dizer a que vieram. Levantou a cabeça, botou as mãos nos ombros do candidato, e o que saiu não foram palavras de consolo e solidariedade.
– Então tu me faz viajar de Cidreira para votar aqui e só fazes mil votos? Mas é o fim da picada.
– Mil e três.
Foi mesmo o fim da picada. Para os dois.