A nuca como alvo
Reparei que ninguém, ao que eu tenha lido, associou o hábito de morder a nuca de alguém com o personagem Hanibal Lector, esse sim um exímio mordedor de nível cirúrgico. No passado, um jornalista gaúcho mordeu um tio com tal força que a vítima acabou no HPS. Ou, no jargão jornalístico daqueles tempos, “nosocômio municipal”. Normalmente, o infeliz morria ao dar entrada no nosocômio.
O psicanalista Contardo Calligaris, que eu acho muito bom no que pensa e escreve, discorreu sobre o tema dizendo que a mordida evoca uma agressividade extrema que nos indigna por ser muito familiar: é a expressão mais óbvia da vontade de acabar com o outro “na qual deságua facilmente uma grande paixão amorosa”. E encerra com uma muito boa. Em um fim de semana, o marido mordeu o lábio da mulher com força. Doeu e ela se queixou. Ele se desculpou assim:
– Meu amor, foi um beijo uruguaio.
(Publicado em julho de 2014)